segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Trecho - Texto de Ana Claudia Lima


(Foto: Adélia Nicolete)


(Acúmulo de vozes, o barulho de rua deve ser mantido por toda a cena)
-Pega, pega, pega... esse é meu...solta aí...é meu, pô! Solta.
-É seu nada, quem disse?
- Eu tô dizendo... Me dá, por favor!
-Olha aqui, moleque. Eu corri, eu arrebentei o chinelo, eu cheguei primeiro, então...
-E daí? Eu escolhi as cores, eu cortei, eu colei, eu fiz tudo. Então é meu. (Tenta pegar da mão do outro)
-Cala a boca, seu merdinha! ( Dá as costas e sai)
- Num manda eu calar a boca não, que você num é meu pai. E num dá as costas pra mim que eu tô falando com você!( Corre atrás do cara)
-Quê que cê qué? Sai fora. (Empurra o moleque)
-Ei... você me machucou. Você vai vê só...
-Quê que é, cê tá me intimando? (Empurra a cara do moleque)
( As pessoas se juntam e comentam o que veêm)
-E se eu tiver? ...
(Pausa)
-Ah, seu bosta!!!
(O moleque corre e o cara vai atrás. As pessoas começam uma oração entoada em diferentes línguas e vão atrás dos dois)






12 comentários:

  1. Ana...
    Nossa! Que delícia de ler isto! Imaginar a cena assim como ela está descrita, e depois, este desfecho que tem algo de absurdo, de fantástico e de surrealismo; mas ao mesmo tempo, reflete exatamente a loucura das grandes cidades! Fiquei pensando numa grande procissão, que vai se avolumando e de repente se torna numa massa gigantesca, e uma oração que agrega todos os credos, entoada em línguas diferentes, numa sonoridade que se torna ensurdecedora, e os dois personagens enlouquecidos, no meio de tudo isto... Lindo!

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  2. Ao ler e reler, entrei exatamente na cena, onde vemos explicitamente isso em nosso dia a dia (correria,confusão,bagunça)enfim até a ortografia da escrita tem a sua essência pra maior compreensão.Adorei !

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  3. Ana...

    Adorei ler o diálogo escrito "como se fala". As frases nao estão rebuscadas: são populares, escritas como se fala no dia a dia, fáceis de "deglutir". O diálogo mostra um certo burburinho no meio do caos da cidade, dos sons da metrópole, das imagens que a periferia nos dá. E no final as duas ultimas frases criam uma expectativa (que era a proposta do exercicio) como algo inacabado, tipo: "o que viria depois disso?".

    No momento do coro de vozes, pra mim fica muito forte a imagem do coro grego, o volume de pessoas, o aglomerado de vozes e massa de gente. Isso me encanta!

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  4. Toda a história é embalada por uma subjetividade, ou melhor, por uma outra história, que para mim, é melhor ainda... E felizmente, somente consigo acompanhá-la por causa das belas imagens e sugestões. (Que fique claro, que as minhas impressões, não são as descritas pela autora, mas sim, as projetadas pela mesma através de seu belo texto e de suas personagens).
    A autora usa e abusa da mudança das emoções, da manipulação, da forma de conquistar, de alcançar seus objetivos... É demais ver essa alteração do “passar da ordem para o pedido” (- Eu tô dizendo... Me dá, por favor!)
    Quando a personagem não aceita o “cala a boca" porque quem manda não é seu pai, sou transportada para um tempo e local, onde esse mesmo pai, deve mandar a personagem calar a boca todos os dias... Isso é genial (ou será que só eu enxergo assim?) Nesse momento ele passa a ser o pai que ele tanto odeia! (Acho que viajei demais! Mas adoro a minha viagem...)
    E a agressão física? Quase posso sentir o empurrão na cara... É visualmente real...
    A possibilidade teatral do texto-exercício me permite continuar essa história do jeito que eu queira... E acredito que busquemos isso!A teatralidade.
    Enquanto tento entender como ser contemporânea, enxergo a vida real através de uma briga... E tudo por causa de um pipa... Tudo é tão simples e tão difícil de entender... Tudo ao mesmo tempo agora... Felizmente, acredito eu, não consigo perceber nenhum “E se...”
    Obrigada!

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  5. Ana Claudia

    Acredito que se eu fosse definir o seu texto em uma palavra, esta palavra seria oralidade.
    Uma oralidade que não é retratada apenas pelo mero coloquialismo, mas pela maneira como estão arranjadas as frases: falas fragmentadas, entrecortadas, cacofonia...
    A sonoridade do seu texto, bem como o seu ritmo intenso, aproximam-se muito do que discutimos em classe sobre a dramaturgia contemporânea.
    Nos trechos: “Eu corri, arrebentei o chinelo, eu cheguei primeiro, então...” e “Eu escolhi as cores, eu cortei, eu colei, eu fiz tudo. Então é meu.”. Pude perceber a verdadeira dimensão das duas alegorias abordadas no texto, assim como o conflito apresentado. No qual cada personagem apresenta uma razão cabível para defender o seu ponto de vista. Os dois personagens têm o mesmo peso: não há um vilão ou um mocinho. Cada um representa uma ideia que traduzida em ação nos propõe visualizar toda a cena retratada, mesmo que não exista nenhuma indicação de personagem.
    Tenho apenas um e se... para você: Gostaria que você refletisse um pouco sobre suas rubricas, é sua intenção deixar o seu texto tão amarradinho? Não seria interessante deixar que algumas indicações em aberto?
    Você avalia o que é melhor.

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  6. Com um humor leve, a Ana conseguiu me surpreender com este texto. O ritmo é perfeito, tem um “ar” de malandragem que só os meninos com suas pipas conseguem alcançar. Achei o uso da frase sorteada ótimo quando a Ana a divide em duas partes: como rubrica inicial e final do diálogo. Enxergamos nitidamente as personagens que, no meu caso, me fazem “defender” um dos dois lados deste conflito. O final é fantástico quando temos a possibilidade de imaginar todo o desfecho deste trecho de história.
    Dúvidas e apontamentos:
    - no 4º travessão, na frase: “Olha aqui, moleque.” > e se você substituísse o ponto final por dois pontos? Pois com esta pontuação usada eu imagino como se fosse um “olha aqui, moleque.” para o pequeno olhar para ele e não como um apontamento de todas as ações que se desenrolam na frase seguinte.(me enrolei muito?)
    -Adorei no 8º parágrafo a frase: “Que que cê qué?” . Achei muito pertinente ao tema, e além disso gostei da estética que ela traz ao texto, gostei da visualidade além da sonoridade perfeita.
    Parabéns Ana! A meu ver você atingiu todos os objetivos do exercício proposto e ainda trouxe ao “Trecho” toda a urbanização que nossa observação sensível me propiciou.

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  7. A linguagem “popular” encaixa perfeitamente com a imagem que a história me passa.
    O texto é dinâmico, em ritmo acelerado, emoções a mil... Acho que as frases curtas acompanhadas das rubricas evidenciam isso. Aliás, as rubricas deixam tudo bem explicadinho, é impossível não visualizar.
    Gosto do conflito onde cada uma das partes defende seus motivos, porém, pelo menos por essa parte da história, não dá pra definir quem tem ou não tem razão.

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  8. O texto é desenvolvido como um recorte urbano. A linguagem coloquial está bem trabalhada em que se observa o ritmo intenso da cena. As falas estão colocadas de maneira que permite fácil imaginação de pronúncia, sem propor problemas com dicção e sem dificultar o intérprete.
    As rubricas indicam todas as ações dos personagens, pois estão presentes em quase todas as falas. A situação habitual é quebrada pelo final que dá o tom surreal ao texto. A dramaturgia inicialmente num ritmo linear onde se entende através dos diálogos toda a situação dos personagens bem como o conflito, tempo e espaço, é cortada com uma pausa bem colocada. Esta dá outra sintonia à cena e provoca a quebra interessante o que qualifica artisticamente o texto.
    A autora trabalhou bem a proposta e levou elementos contemporâneos à cena no que se refere ao diálogo, a temática e aos personagens.
    Vale ainda, uma proposta (e se): retirar todas as rubricas do texto, não deixar implícita nenhuma ação dos personagens, nem mesmo através das falas. O que chama atenção nesta dramaturgia são as falas curtas, ágeis e coloquiais, portanto tirando todas as indicações de ações dos personagens, como “corre, empurra, tenta pegar”, pode-se ampliar as possibilidades de encenação.

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  9. De todos, esse é o texto que mais me remete ao teatro. As rubricas e a linguagem cedidas pela autora nos leva exatamente para o universo proposto e no momento do desfecho nos arranca abruptamente desse mesmo universo. Parabéns!

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  10. A linguagem "popular" me agrada e me aproxima dos personagens. Mesmo o autor conduzindo a cena com algumas rubricas que na verdade são informações do que acontece: "Acúmulo de vozes, o barulho de rua deve ser mantido por toda a cena". Me da o ambiente onde os personagens se encontra. Realmente sinto o fragmento da cena, aconteceu algo e de repente do mesmo jeito que acontece desaparece, como vemos todos os dias na rua. Não codifico pelo o que eles brigam e isso me possibilita a brincar muito mais. Montaria seu texto facilmente.

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  11. Ana Claudia
    Entrei na cena, corri com eles e tive sensações. O texto traz movimentos de corpo, voz, emoção e consequentemente imagens, criando uma expectativa muito real. E o que vem depois? Me fez lembrar da peça Cantos Periféricos escrita e dirigida por Solange Dias que ao assistir eu nem respirava direito, tive essa sensação ao ler o seu texto.
    Frases curtas, mas com intenção e tensão. As rubricas deixam o texto limitado, porém teve a sua intenção.
    O que o teatro quer ver? O que o teatro quer mostrar? (Guénour)
    Ana Claudia, na minha opinião você poderia dar continuidade neste texto com menos rubrica para ter mais possibilidades de encenação.

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  12. Aninha, que prazer tê-la no Ateliê de Dramaturgia!
    Com certeza foi bem mais divertido do que a oficina de doze anos atrás, em são Bernardo! Rsrsrs

    Fico lembrando de você durante a observação sensível que motivou essa escrita. Curioso como cada um focaliza um aspecto. Havia muitos casais, famílias e também muitas crianças. Você trabalhou justamente esse tipo de personagem e também os colocou em situação na rua – local em que a observação foi feita.
    Aliás, o texto já começa com a rubrica indicando o local e o som característico. Para mim, isso já determina que tudo aquilo está acontecendo enquanto as pessoas passam. É um fato corriqueiro. Aqueles moleques correndo, suas brigas, fazem parte do cenário. Ninguém liga mais. A não ser quando a coisa parece que vai ficar mais tensa. Aí é o momento das atenções se voltarem para eles, de eles “assumirem o comando” da multidão que os segue, talvez em busca de sangue.

    Ora, não é isso justamente que queremos provocar quando fazemos teatro? Quando escrevemos alguma coisa? Chamar a atenção do povo que passa em todas as direções, concentrar seu interesse, fazer com que nos siga no caminho que propomos, cada um em sua língua, cada um com seus motivos, em busca de algo que os tire do rumo de sempre.

    Seu texto final é, para mim, uma metáfora do próprio teatro.
    O que será que esse povaréu vai encontrar? E se você continuasse esse texto?

    Abraço grande.

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