domingo, 28 de março de 2010
A Modernidade no romance
Como, nesse momento, estudamos a pós-modernidade, aqui vai um aperitivo. Trata-se de um trecho de obra do Modernismo, pra gente identificar algumas raízes, alguns prenúncios do que vivemos hoje.
Em 1925, no Brasil, Oswald de Andrade lançava o Manifesto da Poesia Pau-Brasil. Na Inglaterra (que os nossos modernistas queriam ver devorada e metabolizada) Virginia Woolf publicava Mrs. Dalloway, um livro que iria revolucionar a forma de se escreverem romances. Ao lermos essa obra - que relata de forma primorosa um dia na vida de Clarissa Dalloway - e algumas outras da autora, percebemos claramente sua influência em nossas Lygia Fagundes Telles e Clarice Lispector.
Aqui vai o trecho vertigem, encontrado logo na segunda página:
"Tendo vivido em Westminster - há quantos anos agora? mais de vinte -, sente-se, até no meio do tráfego, ou quando se desperta à noite, Clarissa bem o sabia, um particular silêncio, ou solenidade; uma indescritível pausa; aquela suspensão (ou seria do seu coração, que diziam afetado pela influenza?) antes que batesse o Big Ben. Agora! Já vibrava. Primeiro um aviso, musical; depois a hora, irrevogável. Os pesados círculos dissolviam-se no ar. Que loucos somos, pensava ela, atravessando Victoria Street. Só Deus sabe como se ama a isso, como se considera a isso, compondo-o sempre, construindo-o sempre em torno de nós, derribando-o, criando-o de novo, a cada instante; até as última mendigas, as mais baixas misérias dos portais (bebem a sua ruína) faziam o mesmo; impossível, ela o sabia, impossível salvá-las com leis parlamentares, por esta simples razão: amava a vida. Nos olhos dos passantes, na sua pressa, no seu andar, na sua demora; no burburinho e vozearia; carros, autos, ônibus, caminhões, homens-sanduíches bamboleantes e tardos; charangas; realejos; na glória e no rumor e no estranho aerocanto de algum avião sobre a sua cabeça, estava isto, que ela amava: a vida, Londres; aquele momento de junho."
(Tradução de Mário Quintana)
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Existem N textos de Clarice e de Lygia que cairiam perfeitos aqui para uma sincronia de ideias, mas nao sei porque esse que cito me parece como a pedra ferida, um pedaço de Clarice sobre o quao moderno é o olhar que aplica na obra e portanto, atualizadissimo: sua sã consciencia.
ResponderExcluirEscrever, Humildade, Técnica
Clarice Lispector
Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de... de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse "estilo" (!), já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em "humildade" refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.
Texto extraído do livro "A Descoberta do Mundo", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1999.
Sinto que move o mundo a expor-se dessa forma!
um ato de inquietude, como Virginia, uma inquietude que escreve.
Saludos, Elaine
Lan, esse seu comentário, via palavras da Clarice, tem tudo a ver com um ponto a que nos ateremos muitas vezes durante o Ciclo: a humildade, no caso diante do objeto de estudo.
ResponderExcluirCreio que para estudarmos o teatro contemporâneo, tão distante às vezes da lógica cotidiana, será preciso reconhecermos nossa profunda ignorância do mundo, do homem e de nós mesmos para, a partir daí, começarmos um processo de reconhecimento e, quem sabe, compreensão - diferente de entendimento.
Oi Adélia, penso que só com uma mente aberta poderemos caminhar nesse território, buscando esse tal mundo que está perdido. Estando disposta a encontra-lo, nao significa que o acharei, mas a tentativa da trajetoria ja me deixa muito estimulada, tentativas várias e o compartilhar dessas descobertas é o melhor do caminhar! Saludos!
ResponderExcluirQuem tem medo de Virgínia Woolf?
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