quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O príncipe real - por Elaine Perli Bombicini



(Beatriz Milhazes - O magico - 2001 188 x 298 cm)


_ (suspirando e liberando sua forte voz) Talvez o que eu tenha semeado, não brote agora. O céu está escuro, escuro e com isso sem o calor que é necessário, as pequenas sementes se encolhem bem apertadinhas, só com muito calor algo se modifica.
_ Fazer uma fogueira? (risada gostosa) Não, não funcionaria. O calor deve brotar de dentro, sabe? Assim meio no natural, com suavidade. Nem pensar em algo artificial, não daria certo.
_ Poderia, poderia sim aquecer alguns litros de água para aconchegar, mas com isso apenas e tão somente estaríamos engordando as sementes, inchando seus corpinhos miúdos e com isso elas perderiam a força para romper suas cascas. Não é aconselhado. Naturalmente é a palavra.
No início essa palavra era o verbo, depois o verbo foi ficando mais propenso a escatologia e rimos muito com isso, porque taramelavam sem parar, inclusive palavras de baixo calão. Mas agora é mais tranqüilo, há tempo para completar o processo e nesse tempo o que brotará, já traz em si um pouco do antigo e do antigo, o silêncio.
_ Sim, nutrir, esse é um passo acertado. Acarinhar, nutrir, conversar com cada pedacinho (gesticulando com a mão), com cada célula. Isso ajuda. Aliás só esse é o caminho, formação.
Fico olhando esse horizonte mínimo e esperando que algo toque o sino, porque ai desperta do silêncio e vai a tona para olhar para o sol. Finalmente brotará.
_ Mas não tenha dúvida, nessa hora é o mais bonito de ver. Os raios de sol se dobram e abrem-se como uma flor de bronze, para receber o novo integrante. Veremos o que vai acontecer, é só acompanhar de pertinho. Isso nós podemos fazer.
_ não! Não! Não! Esse aqui já tem endereço certo, terá castelo de vidro de dois andares, muita gente para servi-lo, mas também será um grande servidor.
_ Mas é claro que terá dom para as artes! Na música será reconhecido. Terá inspirações grandiosas. Nem tudo serão flores, deverá aprender com o simples e com as coisas complexas, será inteligente também. Mas para isso temos que fazer o nosso melhor. Concentração por favor!
_ Vamos lá, comigo, regando, isso, assim mesmo (pausa) regue com luzes do arco íris e com as grandes gotas prateadas, agora aos poucos, dilua, isso mesmo! Não encharque muito, isso, delicadamente. O aroma deverá estar para aproximar e não para afastar. Secando no vento, que maravilha! (pausa)
_ Prontinho!! Seco e brilhante. Agora essa idéia está pronta e é só o tempo dos pais dele se conhecerem e ele nascerá num lindo dia de primavera.
_ Não, você não pode ir junto! Não mesmo. (boas risadas)
Afinal a realeza tem que ter uma certa privacidade.
_ freezer com granizo? Não, não necessita de refrigeração, para guardar é só afofar na caixa com a seda azul e apagar a luz. ok?
Caros ouvintes e telespectadores, o nosso obrigado pela audiência tão numerosa e amanhã demonstraremos como criar frutas sem caroço. Não percam. E com vocês os nossos comerciais.
(Som de cítaras ao entrar o comercial de Nuvens em pó).




(Texto de fantasia criado por Elaine Perli Bombicini, inspirado em tela homônima de Beatriz Milhazes)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O príncipe real - por Adriano Galego Geraldo



(Beatriz Milhazes, O selvagem, 1999, 189 x 249 cm)

I
Onde não é o principio da realidade

Foco acende lentamente. Uma jovem vestida de branco surge à procura de algo.

Helena – Bom dia! Bom dia! Bom dia?(Procura algo) Bom...? (Para a plateia) Meu nome é Helena, vivo aqui neste jardim há não sei quanto tempo. (desenrola uma tapeçaria de flores) Estava procurando a Voz sem Corpo, ela vem todos os dias. Ela me ensina sobre todas as coisas e me conta histórias de como eu nasci. A Voz me ensinou a ler e a escrever e me ensina como devo ser. Ela me disse que tenho sete anos, um dia, me contou que nasci da casca de uma árvore, outro de uma flor pequenininha, ontem disse que surgi da sombra de uma nuvem. Disse que meu nome é Helena e é assim que me chamo. (Sorri) Voz sem Corpo? Voz sem Corpo?(Procura o amigo)

Voz sem Corpo (Fora de cena) – Bom dia, Helena! Como você está feliz esta manhã! Aposto que quer que te conte outra, não é mesmo?

Helena – Eu quero sim. Eu adoro suas histórias, Voz sem Corpo!

Voz sem Corpo – São suas histórias, Helena, não minhas. Agora escuta, vou te contar sobre o vento, é preciso saber ouvir o sussurrar dele em seus ouvidos, (Helena faz gesto de escutar) saber ver sua presença pela copa das árvores (Helena balança os braços como se fosse uma árvore ao vento) e saber que é preciso vestir uma pele para que se possa sentir,(Helena toca a própria pele) e a pele é a morada do corpo.

Helena – Mas então... Voz sem Corpo... Você...

Voz sem Corpo – Sim, Helena... Não posso sentir o vento, alguns de nós somos feitos por pedaços, seria uma grande alegria se pudéssemos juntar todas as partes e sermos um só! Seria um milagre! Mas somos muitos mundos, Helena! (Helena entristece) Você quer um presente? (A Voz tenta animar Helena, a menina acena “sim” com a cabeça) Então está decidido!

Barulho de vento, música, surge serpenteando no ar um lindo lenço dourado. Helena o pega brinca e dança com ele por algum tempo.

Helena – Que lindo! É lindo! Adorei o presente!

Voz sem Corpo – Ele é um lenço mágico, com ele é possível andar sobre as águas sem jamais afundar, proteger-se do frio, do fogo e da chuva e, de qualquer material cortante como a espada de um cavaleiro, por exemplo! Agora, para ficar com ele você vai precisar me prometer duas coisas. Você quer ficar com ele?

Helena – Sim! Eu quero! Quero sim!

Voz sem corpo – Ótimo! Olhe ali em seu jardim. Está vendo a caixinha florida? (A menina corre para pegá-la) Ela é um relicário, ela guarda segredos muito importantes e uma relíquia raríssima, mas nunca, em hipótese alguma, você poderá abrir essa caixa! (Helena se assusta já que estava prestes a espiar o que tinha dentro)

Helena – Como? Eu não entendo.

Voz sem Corpo – Não posso revelar mais, a segunda coisa que deve me prometer é que nunca sairá dos limites do jardim.

Helena – Mas por quê?

Voz sem Corpo – Além do jardim há o Labirinto Sombrio formado pela árvores e plantas da floresta e dele, até hoje, ninguém conseguiu escapar. Você promete? (A menina olha o lenço dourado)

Helena – Sim, prometo!

Voz sem Corpo – Ótimo! Agora devo partir, terei que fazer uma longa viagem e ficarei longe alguns dias. Não se esqueça do que me prometeu, Helena, e divirta-se com seu lindo lenço dourado. (A Voz desaparece com uma gostosa risada)

Helena – Voz sem Corpo? Voz sem Corpo? (Não há resposta, a menina dá de ombros e continua a brincar com seu novo presente. As luzes se apagam.)

II
Um novo amigo. Será?

Foco acende lentamente. Helena desperta. Ela procura alguém.

Helena – Ahhhhhhhhhhhhhhh! Bom dia! Bom dia! Bom dia? Bom dia Voz sem...

A menina lembra-se do dia anterior. Desiste de procurar o amigo e começa a brincar com o lenço dourado. Cansa da brincadeira. Começa a brincar com os limites do tapete-jardim, equilibra-se, arrisca a ponta do pé, etc. Cansa da Brincadeira.

Helena – Tudo é tão chato. Não gosto de ser só, quando a Voz sem Corpo não aparece me sinto tão sozinha. (Vira-se e olha para caixa. Corre até ela.) É linda a minha caixinha, toda enfeitada com círculos de flores, como a Voz disse que era o nome? RE-LI-CÁ-RIO... (Soletra brincando com os sons) e essa flor no meio deve ser a chave.

A menina acaricia a caixa. Helena para e olha para a plateia. Ela abre.

Helena – Um colarzinho de miçangas, um perfuminho... hum... cheiro de lavanda, um pandeirinho, incensos, óleo... urgh... Que nojo. (Cheira) Uma agulha... ai, parece tão pontiaguda. Hum... O que tem mais aqui dentro? Parece um diário!

Larga tudo e começa a ler. Música. A menina levanta no ritmo da música e sai, volta com uma carriolinha (pode ser um pequeno vaso), nela coloca um pouco de terra. Age como se fosse fazer uma feitiçaria. Às vezes consulta o diário. Começa a montar um tipo de jardim: planta flores e instala os incensos, acende-os, derrama o óleo, enfeita-o com uma coroa de flores, pega o pandeiro e começa rodopiar em volta do estranho objeto. Música para. Ela cansa e para também. Senta e observa. Fica impaciente.

Helena – Que chato! Não aconteceu nada! (Helena levanta e sai com a carriola ou vaso)

Dá de ombros e vai se sentar do outro lado brincado com sua caixinha. Um ser de barro com uma coroa de flores na cabeça surge e vai lentamente em direção de Helena.

Helena – AAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH... Quem é você? O que você quer? Você quer me fazer mal? (O ser de barro anda lentamente em direção da menina que permanece estática. Ele arranca uma flor pendurada em seu próprio corpo e prende-a em seu vestido. A menina se acalma.)

Helena – Você quer me fazer mal?

O ser de barro acena em negativa para ela.

Helena – Quem é você? Qual é o seu nome?

Silêncio.

Helena – Você não tem nome?

O ser de barro acena mais uma vez em negativa.

Helena – Você não fala?

Acena outra negativa.

Helena – De onde você veio?

Ele aponta na direção onde Helena tinha feito a mágica.

Helena – Eu fiz você?

O ser de barro acena sim com a cabeça.
Voz sem Corpo retorna, seu chamado vem num crescente.

Voz sem Corpo – Helena? Helena? Onde você está? Não sabe as histórias que tenho para contar! Onde você está? (A menina tenta esconder inutilmente o ser de barro) Helena! (Voz sem corpo, aflito) Não, Helena, você abriu a caixa!

Helena – Foi... Foi sem querer...

Voz sem Corpo – Mas você prometeu!

Helena – Por favor, Voz sem Corpo me perdoa? Eu juro que eu concerto tudo! Eu juro que eu desfaço o encanto!

Voz sem Corpo (Com pesar) – Ah, Helena, agora não tem mais jeito... É impossível desfazer, seria perigoso demais e você teria que pagar com sua própria vida.

Helena – O que? Mas o que eu faço agora?

Voz sem Corpo – Agora? Agora você será responsável por ele. Terá que cuidar dele com todo o cuidado.

Helena – Eu cuido! Juro que cuido dele! (Esperançosa)

Voz sem Corpo – Então você decidiu! Cuidará dele! Mas lembre-se, ele ainda é mais barro que humano, não aprendeu a desejar, nem aprendeu o que é a dúvida. Ele te amará completamente, ele não dormirá nunca, nunca lhe questionará e nunca vai deixar de estar ao seu lado. Você entendeu?

Helena – Vai ser maravilhoso! Se for assim quero ficar com ele para sempre! Você quer ser meu amigo? (Para o ser de barro)

O ser de barro acena sim com a cabeça.

Helena – Ai que bom! Tenho tanta coisa para te contar! Vamos, quero te mostrar meu jardim! (Pega na mão dele e começa a sair de cena) Precisamos te dar um nome, hum... que tal Barrento? Acho legal!

Ele acena sim com a cabeça.

Helena – Ai, não... não... Barrento é muito... muito... pegajoso. Que tal... Cara de Terra? É um nome forte, eu gostei! E você?

Ele acena sim com a cabeça.

Helena – Ai, não... não... Cara de terra é muito... muito duro. Que tal... que tal... que tal... Bolinho de Terra?

Ele acena sim com a cabeça.

Helena – Isso, Bolinho de Terra! Igual quando brincava de comidinha no jardim! Bolinho é tão... tão... doce! Isso! Bolinho de Terra! Vem vou te mostrar onde moro, é lindo, você vai ver! Vamos, nossa, mas como você é lento hein! Vamos Bolinho... (Saem)

Voz sem Corpo – Pobre Helena! Foi feliz até agora em seu pequeno jardim. (Suspira com pesar) Agora terá que aprender o que é a tristeza.
...

(Texto de fantasia criado por Adriano Galego Geraldo e inspirado em tela homônima de Beatriz Milhazes)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O príncipe real - por Solange Dias


(Beatriz Milhazes - Bea -  1993, acrílica sobre tela, 110 x 130cm)



A velha Beatriz olha por um longo tempo um longo tecido branco que está em suas mãos. Está sentada na varanda da grande casa velha, flores murchas, ar seco, céu cinza. De um lado, um grande cesto cheinho de linhas coloridas, de tantos tamanhos e formas. Do outro, uma cadeira velha, vazia.

Pega o primeiro bolo de linha ao acaso. Vem o azul. E Beatriz vai bordando então com seus dedos enrugados grandes círculos, círculos infinitos. Círculos de flores, pequenas, grandes, como grandes e pequenos colares de contas de flores. Flores azuis. Pensa nos miolinhos das flores. Pega a linha rosa. Borda então miolinhos rosas nas flores azuis. E no mesmo instante, em uma brisa de vento suave, pequenas flores suspensas em forma de contas vão brotando no umbral da porta, nos parapeitos da varanda, nos vãos das janelas, nos rodapés... Brotam jardins suspensos, muitos mundos, círculos infinitos.

Beatriz borda então flores amarelas e verdes, e infinitas contas de flores amarelas e verdes vão cobrindo as paredes enegrecidas da velha casa. E o chão cheio de poeira vai se tornando um grande tapete de flores enfeitado. E o ar começa a ter um cheirinho doce de alfazema.

Beatriz borda um céu lilás e um grande sol amarelo e imediatamente o dia nublado se ensolara em nuvens tão delicadamente lilases com um sol forte e amarelo que a cor do dia é uma mistura de dia e noite em um infinito.

Beatriz pensa então em bordar em meio há tantas flores, uma jovem que borda sentada em uma cadeira em uma varanda. Pensa em começar pelo vestido. Lembra de um que teve um dia: branquinho, até o joelho, mas que tinha dois peixinhos bordados, um vermelho e outro azul no barreado. Começa a bordar e imediatamente seu vestido puído e desgastado se transforma em um lindo vestido branco com dois peixinhos coloridos.

Beatriz continua bordando e seus pés se tornam macios e branquinhos, como seu vestido, e neles, pequenas sandálias cheinhas de miçangas em cor púrpura vão surgindo. Suas mãos vão ficando mais ágeis, pois acabara de bordar as mãos delicadas da jovem. E de seus braços, vão desaparecendo as manchas de tantos sóis que teve em sua vida, e de seu colo, vão desaparecendo os sulcos vazios da pele enrugada de tantas noites dormidas encolhida, se enrolando em si mesma. E seu rosto chupado, murcho, vai dando lugar a outro rosto: pele clara, cor da luz da lua. Os vincos, os traços tristes vão desaparecendo um a um como rios que secam e se transformam em campina branca, branquinha.

Beatriz borda e seus cabelos brancos se enegrecem, os fios de repente crescem por sobre os ombros e então borda também uma linda grinalda de pequeninas flores de laranjeira. No mesmo instante nascem uma a uma, pequeninas flores enraizadas em seus cabelos em um círculo sem fim.

E, bordando, Beatriz percebe ao seu lado, naquela cadeira vazia, que vai surgindo um jovem que veio do tempo antigo, alguém que ficou por tantos anos esquecido e que agora retorna corpo forte, sorriso conhecido. E num eterno beijo, Beatriz borda em volta do casal, mais e mais colarzinhos de flores, envolvendo os dois num grande abraço que fica parado no tempo, que fica suspenso no ar.



(Texto de fantasia criado por Solange Dias e inspirado em tela homônima de Beatriz Milhazes)






terça-feira, 23 de novembro de 2010

O príncipe real - análise de obra



(Beatriz Milhazes, O principe real, 1996, acrílica sobre tela, 
196 x 196 cm)


Consideramos o potencial de fantasia desta obra de Beatriz Milhazes para orientar as novas propostas de texto do Ateliê.
Na análise que precede a escrita e que a orienta, destacamos:



Cheiro de Nescau, de doce, de erva doce ou capim cidreira.
Gosto de festa de criança, com bolo, cereja, refrigerante, balas coloridas.
Gosto de bala de canela ou de gengibre.
Bolo e aniversário ou casamento visto de cima.


Remete a uma loja de perfumes, com aromas variados. Incenso, violeta ou lavanda, leite de rosas.
Um tom antigo, retrô.
Muita cor viva e alegre. Plano de fundo romântico.


Traz o som de música marcada por pandeiro. Pessoas cantando em festa caseira. Ritmo, às vezes descompassado, às vezes chato ou cansativo.
Batizado. Presente escondido. 
Toca, esconderijo. Espiral. Medo infantil.


Cânticos. 
Música indiana, psicodélica, woodstock. Cirandas, caixinha de música.
Dança cósmica.
Engrenagem. Relógio de pulso. Falsa alegria.


Toalha de mesa.
Fumaça. tapeçaria.
Terapias orientais, massagem, óleo e água.
Toalhinha de crochê da avó.
Velhice, asilo.


Flores supensas. Úteros, óvulos, filhos. Centro.
O centro é marca de batom.
Chakras, coração.
Único universo. Dois mundos. Vários mundos.


Jardins. Jardim real. Sol.
Muitos s (plurais)
Colarezinhos de contas - cada conta uma história.
Florzinhas do vestido da avó quando menina. Enfeite de vestido de menina. Enfeite de cabelo.
Pétalas. 
Princesa.
Mãe.
Feminilidade, feminino.
Uma louca que costura.
Bordado, teia. Rosa e azul.
Coroa de flores - grinalda.
Labirintos.
Luas.
Círculo - sem começo e sem fim.
Os círculos vão se fechando.





quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Beatriz Milhazes - Fantasia



O ateliê parte para a apreciação e utilização da obra de outro artista. 
Desta vez a escolhida foi a carioca Beatriz Milhazes, dando continuidade à nossa opção por artistas brasileiros.


(Beatriz Milhazes Serpentina, 2003, gravura edição 40, 129,5 x 129,5 cm)

Nascida em 1960, Beatriz frequentou cursos de artes no Brasil e no exterior e atualmente trabalha como pintora, ilustradora, cenógrafa e professora.



(Beatriz Milhazes, Cenografia do espetáculo Tempo de verão, 2004, Marcia Milhazes Cia de Dança)

A maior parte de seus trabalhos é em acrílica sobre tela, num processo lento, que pode durar meses. Tal processo, muitas vezes, pode se assemelhar ao da escrita: esboços, camadas diversas, sobreposições, ajustes constantes até o acabamento. 


(Beatriz Milhazes - O sonho de José, 2003/2004,  250 x 250 cm)


Elaine Perli Bombicini, participante do ateliê,  comenta a respeito da artista:


"O que gosto em Beatriz é a conexão com os anos 70 (quando comecei a me interessar por arte, embora só a tenha conhecido muito depois), algo dos encaixes perfeitos que a alma barroca possui e algo de um efeito que vai de encontro a arte deco. Essa multifaceta que ela apresenta, amplia demais as possibilidades de análise e aprofundamento em sua obra. Estar diante de um quadro dela é viajar, nos mínimos e nos máximos detalhes, a profusão de cores e em alguns trabalhos a transparencia, nos lembram vitrais.
Possui obras de grandes dimensões, nos transmitindo a sensação de ter tido muito trabalho. Assim como ilustrações de livros que são pequenas obras de arte (mil e uma noites, se não me engano).
Estar em contato com sua obra é sentir uma certa alegria espontanea. Gera movimento!"


A  escolha de Beatriz Milhazes como nossa próxima referência vem atender à proposta de criação de um texto de fantasia, que poderá ser conferido nas próximas postagens.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Mariana Martins e sua coleção de diplomas falsos







Em época de final de processo, estamos todos em busca de um certificado, de um diploma - mesmo que seja falso!


Comentamos ontem em sala a coleção recém lançada da artista plástica Mariana Martins (foto). Trata-se arte feita com materiais desprezados, mas cuidadosamente guardados e colecionados por ela, como preciosidades: rótulos, decalques, embalagens, canhotos de bilhete aéreo, selos usados, toalhinhas plásticas, anúncios.






Mariana é filha do artista plástico Aldemir Martins, cearense que adotou São Paulo para viver, mas cultivou em sua obra as referências de sua terra.




A coleção de diplomas falsos começou, segundo a artista, por uma brincadeira. Há muitos anos, alguns de seus amigos lamentavam não ter um diploma universitário como Mariana, formada em Arquitetura e Urbanismo pela USP. Esses lamentos deram a ela a ideia de providenciar diplomas para que os amigos pudessem ostentar em suas paredes.





Outros trabalhos com a mesma proposta podem ser visualizados no link abaixo, no site da galeria Choque Cultural, de propriedade de Mariana Martins e que é dedicado, principalmente, a jovens artistas:


http://www.choquecultural.com.br/?area=bio&aid=31

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A liga - por Elaine P. Bombicini



Arte feita por crianças, a partir de apreciação de obras de Sandra Cinto. Fonte:




(Num espaço público)

A. Credo, o que houve com essa menina. Peraí que te dou uma mãozinha...

B. Bolhas de sabaãão ao. (Engasgada) Deus, ai vem outro (ruído intenso de jorro). Vomitei muito...aff

A. Muito é pouco e pouco é azul. Nunca vi nada igual. Estica um punhado de folhas de papel.

B. O pior é que não passou de brincadeira. Nem bêbada estou... mas acho que foi o fígado.

A. Fígado... o pior dos malestares minha filha. Vamos limpar isso tudo, quase estragou seu vestido, vamos limpar tudo, tudo, tudo, tudo... todos os quadradinhos, cada um de uma cor, e tudo combinado, tão lindo!

B. É patchwork, eu quem fiz, estudo moda sabe? Algo diferente, arrojado (limpando a boca)

A. Na minha terra filha,isso ai é colcha de retalhos! A gente juntava todos os pedaços que sobravam dos panos e costurávamos, mas agora isso é longe ...um passado. Pontinhos bem apertados, juntando nossas historias. Que nem hoje.

B. Ah to tão enjoada, com tanta dor de cabeça; Acho que não tenho nem como voltar pra casa. Poxa você é bem bacana, quem diria que alguém aqui me ajudaria.

A. Limpando o vestido: isso faz parte da vida minha filha. Agora senta e respira fundo, fecha os olhos, vai respirando assim e conta até dez... isso vai ver que tudo ficará melhor.

B. Poxa é verdade...tá passando... Viu tia, muito fofa sua ajuda!
(como que despertando ouve o celular. Abre os olhos e vê tudo vazio ao redor. Atende o celular)

B.  Puta que pariu! Que tinha nisso que você me deu? Cara...nunca mais, to alucinando até agora. Vem me pegar. (desliga)

B. Quadradinhos, pontinhos, alinhavo, como era mesmo a idéia? Azulejos brancos? tinha azul no seu nome? Unindo ou ligando?







(A situação acima foi criada por Elaine Perli Bombicini. Trata-se de uma primeira versão, baseada em nossa apreciação da obra da artista Sandra Cinto, apresentada na postagem "Sem título - obra de referência"..
Outras versões serão escritas a partir de sugestões e análises feitas neste blog pelos colegas e outros interessados)

Catástrofe de natal? - por Andréia Almeida




(Sandra Cinto, título da obra a ser pesquisado)


Rapaz  _ Dona, cuidado!

Dona   _ Ai, desculpa!

Rapaz  _ An! Lá vem outro... (correm) Aqui! Por aqui! Sobe.

Dona   _ Eu? Não dá! Não consigo. (Ele a puxa) Obrigada.
Meu Deus, tava tão bonito, o que foi acontecer? (Ele não escuta e desce se arriscando para salvar sua mochila. A multidão que antes apreciava o presépio ouvindo as calmas músicas natalinas agora pisoteia tudo, o material escolar do estudante duro e os meninos que não são Jesus.) Menino! Cuidado! Gente... cuidado com o menino! (Ela o puxa)

Rapaz  _ Obrigado!? Nossa... O negócio ta feio.

Dona   _  Como sair daqui? Como voltar para casa?

Rapaz  _ Nossa... não voltar. Que bom. Uma desculpa. Prá não voltar para aquele inferno. O inferno daqui me impede. To começando a gostar...

Dona   _ Tá louco? Irresponsável! Não vê o que ta acontecendo? Uma catástrofe! (sem tirar os olhos das explosões) Isso numa época tão linda como esta? Isso num país tão abençoado como este?

Rapaz  _ (sem tirar os olhos das explosões) País abençoado só se foi na tua época. Catástrofe maior tá minha vida. (Nova explosão) Aqui pelo menos tem uma emoçãozinha, Zona! Vem mais para cá senão pode cair? (longo silêncio)

Dona   _ Prá mim não, nunca posso sair! Hoje que pude é isso que acontece?!

Rapaz  _ Vai dizer que não é no mínimo diferente? (O olhar foge para onde antes aconteciam as explosões para agora escaparem um do olho do outro. As demais pessoas a fim de salvar suas peles quase os esmagam.)

Dona   _ Mas... tenho minha casa... E a minha família... Que tenho que cuidar...



(A situação acima foi criada pela Andréia Almeida. Trata-se de uma primeira versão, baseada em nossa apreciação da obra da artista Sandra Cinto, apresentada na postagem "Sem título - obra de referência"..
Outras versões serão escritas a partir de sugestões e análises feitas neste blog pelos colegas e outros interessados)

Sorvete de pistache - por Solange Dias



(Sandra Cinto - Instalação "Construção", 2006, desenhos sobre papéis tingidos)


Barulho de máquinas de lavar. Ela carregando um cesto pesado de roupa.
Ele com uma sacolinha. Poucas roupas.

O VELHO - Minha mulher foi embora.

MULHER - Hum!

O VELHO - Filha da puta, ela é quem devia de lavar estas roupas. Não sei usar isto, não!

MULHER - As brancas com as brancas, coloridas com coloridas, bota dentro, aperta o botão e espera.

O VELHO - Sessenta anos de casado... Filha da puta. Sabe o desenho do pica pau? Ele sempre se dá bem mesmo quando se dá mal. Ele é um grande de um sacana.

MULHER - Sei.

O VELHO - Filho da puta. Igual minha mulher. Parecia um anjo... Só parecia... Levei sessenta anos pra descobrir.

MULHER - Acontece.

O VELHO - Você é bem forte, hein? Nem parece mulher. Quando entrei aqui e olhei pra você, pensei: o que faz uma mulher ficar com esses músculos de homem, pra que isto?

MULHER - Paciência.

O VELHO - Pensei que se minha mulher tivesse esses músculos de homem eu enfiava a mão na cara dela.

MULHER - Que bom então que ela foi embora.

O VELHO - Sabe, quando eu tava de bom humor a gente ia numa sorveteira. A gente gostava de tomar aquele sorvete, aquele verde, meio azul, sabe qual é? Aquele de nome esquisito?

MULHER - Pistache.

O VELHO - Este mesmo. Pistache. Filha da puta. Ela tinha que ter ido embora? Olha, tá escorrendo água pelo chão.

MULHER - Hum, hum...



(A situação acima foi criada pela Solange Dias. Trata-se de uma primeira versão, baseada em nossa apreciação da obra da artista Sandra Cinto, apresentada na postagem "Sem título - obra de referência".
Outras versões serão escritas a partir de sugestões e análises feitas neste blog pelos colegas e outros interessados)

Então é natal - por Bárbara do Amaral



(Sandra Cinto - "A ponte impossível", 1998, pintura automotiva sobre madeira e mdf, 120x300x50 cm)


Numa sala de espera de um hospital.

Homem - Dá para vc parar de me chamar de papai Noel!

Moça embriagada- Olha a sua barba tão grande. (pausa) E que nariz grande que você tem, e que orelhas enormes que vc tem. Já sei você é o lobo mau que comeu a vovozinha! Literalmente. (Ri descontroladamente)

Homem - Respeita que eu podia ser teu avô. Essa juventude tá sem limites. (pausa)

Moça - Um conselho pro bom velhinho. Vai pra casa. A mamãe Noel tá sendo bem cuidada na UTI, você ouviu, vai pra casa. Olha que o Roberto Carlos já deve estar cantando. “Então é Natal, o Ano novo também, o ano termina e começa outra vez...”.

Homem - Quem canta essa musica é a Simone.

Moça - Jura? (pausa) Eu tinha certeza que era o Roberto Carlos, o cabelo, o terno branco. (a moça senta numa cadeira).Cadeira dura. Eu vou esganar a Estela. Passar a noite de natal numa cadeira dura dessas. (pequena pausa) Sem a gritaria da família, sem briga, sem ouvir “Então é Natal, e o Ano Novo também...” (debochada) Olha, acho que vou me matar! (Ri)

Homem - Nesta vida tem horas de a gente tem que escolher o menos pior. (pausa) Você tem que beber menos, você é muito nova pra isso. Não sei como não te internaram e te colocaram no soro. (pausa) O que a sua amiga tem?

Moça - Sífilis Vaginal. (homem demonstra embaraço e a moça ri escandalosamente) To brincando! A Estela é minha irmã. Ela estava com dor de cabeça forte. Eu falei para ela beber um pouco que passava. Mas ela não quis! A boba quis vim por hospital. Eu trouxe.

Homem - Você veio dirigindo?

Moça - Papai Noel me conta uma coisa! Confessa só pra mim, o senhor é petista não é? A barba grande e a roupa vermelha. Olha se eu fosse o senhor eu virava presidente e a mandava colocar umas cadeiras mais confortáveis aqui. Cadeira não. Poltronas. É isso poltronas.

Homem (entrando no devaneio da moça) - E uma TV de 42 polegadas, igual a que eu vi na novela.


Moça - É isso ae Papai Noel. Agora tamo falando a mesma língua...  




(A situação acima foi criada pela Bárbara do Amaral. Trata-se de uma primeira versão, baseada em nossa apreciação da obra da artista Sandra Cinto, apresentada na postagem "Sem título - obra de referência".
Outras versões serão escritas a partir de sugestões e análises feitas neste blog pelos colegas e outros interessados)