domingo, 28 de março de 2010

Provocação



Mário de Andrade, em seu "Aspectos da literatura brasileira" – reunião de ensaios publicada em 1943 – faz um comentário no texto "A poesia em 1930" que achei oportuno transcrever aqui para provocar alguma reflexão em torno do tema do nosso cilo de estudos.
O autor principia falando sobre quatro poetas publicados naquele ano e ressalta os benefícios que a maturidade trouxe à sua poesia. No segundo parágrafo ele avalia:

“Essa me parece uma das lições literárias do ano. Quatro livros de poetas na força do homem. Acabaram as inconveniências da aurora. A poesia brasileira muito que tem sofrido destas inconveniências, principalmente a contemporânea, em que a licença de não metrificar botou muita gente imaginando que ninguém carece de ter ritmo mais e basta ajuntar frases fantasiosamente enfileiradas pra fazer verso-livre. Os moços se aproveitaram dessa facilidade aparente, que de fato era uma dificuldade a mais, pois, desprovido o poema dos encantos exteriores de metro e rima, ficava apenas... o talento. E já espanta, um bocado dolorosamente, esse monturinho sapeca de livros de moços, coisa inútil, rostos mais ou menos corados, excessiva promessa, resumindo: bambochata que não resiste à primeira varredura do tempo”.

Gostaria de continuar a transcrição, pois ele aprofunda o “mal humano” que é a poesia e aconselha os jovens sobre como canalizar suas atividades e se desviarem da publicação de material imaturo. Quero porém me ater ao trecho acima e, ainda que brevemente, iniciar um paralelo com nossas inquietações acerca da dramaturgia contemporânea.

- Será que muitos de nós, dramaturgos, não confundimos dramaturgia contemporânea com o abandono puro e simples de elementos dramáticos? Com a despreocupação com a comunicação e com a relação artista-público?
- Será que muitos dos exercícios que temos presenciado não se mostram ainda pura expressão, puro conceito? Puro “ajuntamento” ou “enfileiramento” de frases, emitidos por figuras designadas por letras, números ou hífens?
- A transgressão da forma dramática não terá sido, para muitos, uma cilada, com sua aparente facilidade?

Creio que os “encantos exteriores” do drama precisam ser superados, mas, para isso, é preciso também que sejam descobertos/alcançados outros encantos, tão poderosos quanto, para que se firme a nova dramaturgia. Enquanto isso não acontece, a alma da maioria dos espectadores ainda vai encontrar abrigo ou diversão nas boas e velhas formas dramáticas.

Nossas reflexões não param por aqui.

5 comentários:

  1. Bravo! Bravo! Pois lendo o texto acima, lembrei-me de quantas vezes não sai de um teatro com o sentimento de incapacidade de compreender, e piorava quando via uma quantidade significativa de pessoas de pé batendo palma e eu com cara de abduzida!
    Sou a favor da comunicação com responsabilidade, com estudo, madura e sabendo que sua função principal é fazer que a mensagem seja compreendida. Já a inovação é a "forma" e penso que deve ficar em segundo plano.

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  2. Babi, seu comentário vai render outro post.
    Bjs.

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  3. Talvez valha a pesquisa: em espetaculos como os que a Barbara se recorda, ou pelo menos os mais "marcantes", quem eram os dramaturgos? Havia dramaturgos?

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  4. Olá, caríssima Adélia
    Parabéns por esta iniciativa (para gentes de teatro, literatura, criadores, enfim, e, claro, fruidores, para melhor compreender).
    Fiquei muito feliz com sua lembrança deste primoroso texto de Mário (tão injustamente esquecido por muitos), atualíssimo, do qual muito me vali em minhas oficinas de poesia. As tais "facilidades" continuam até hoje não compreendidas como "dificuldades" e daí que uma frase embaixo da outra é logo tida como "poema". Feliz e honrada também por ver o link do meu blog encimando a lista.
    Parabéns estamos todos nós, seus leitores e alunos.
    abraço forte e que o papel (ou, neste caso, a tela) fira a pedra, sempre.
    dalila teles veras

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  5. Nesse conjunto, época, vanidades e transitoriedade, regresso ao começo do curso de dramaturgia com o Abreu e reflito um pouco sobre as tais premissas, creio que o peso na forma e estética se dá quando em transições, nao temos o algo a dizer bem definido ou bem estruturado em nós (No caso dos dramaturgos em geral), para textos como dantes creio que nossa viagem interior tem que ser mais apontada, direcionada, intensa, quase que sangrada, a boa escrita assim como a boa narrativa que nos toca, nos faz abrir o peito e o animo para o entendimento se dá com a simplicidade, mas como diz Clarice, a simplicidade se dá através de muito trabalho, e que nós nao devemos nos enganar.

    O bom e o belo andam juntos, e como diz Ibsen:
    a Beleza é um acordo entre conteúdo e forma.

    Se pudermos unir os dois dentro da simplicidade, creio que é uma base inicial para o que virá. As experimentações e suas nunaces transgressoras deverão sim ser estudadas, e quem sabe até em alguns casos utilizadas, mas penso que tudo isso tem que tocar, se nao tocou nao é, nao fica, nao permanece.

    Segundo as inteligencias emocionais, alguns se tocam pelo belo, outros pelo sensoria, outros por palavras e outros pelo encaixe disso tudo (*numa visao simplista do conteudo de Goleman, talvez o conjunto que nos toque esta no papel que fere a pedra, do dramaturgo que coneguiu ir alem e agregar essa metamorfose em sua escrita, algo como atingir o todo através do Um. São apenas meus pensamentos,

    Saludos, Elaine

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