segunda-feira, 5 de julho de 2010

Juventude e nova dramaturgia



Vão aqui algumas impressões sobre o poder de atração que a dramaturgia de Sarah Kane exerce, em especial a peça 4.48 Psicose.

Com as discussões no Ciclo de estudos fermentando na cabeça pensei em certo desdém com a mão dos dramaturgos que percebo em alguns atores jovens e a defesa de cena de espetáculos contemporâneos que privilegiam os elementos visuais, corporais, musicais, muitos realizados em ruas, galpões, viradas culturais, prédios etc.

Muito razoável, visto que teoria e prática do teatro pós-dramático (estudado no Ciclo) ganham esguichos no terreno da busca pela melhor comunicação “palco”/público de hoje em dia.

Imagino que talvez não seja propriamente a palavra, mas as estruturas de dramaturgia conhecidas que dão um bode nesses atores, legitimamente despreocupados com cânones, regras, pavimentos teóricos.

4.48 Psicose é um texto recente, escrito na virada do século. Sarah Kane o escreveu aos 28 anos, ela também uma jovem.

O texto tem estrutura nada tradicional, momentos muito subjetivos, com indicação tênue de situações e aberto às mais diferentes maneiras de encená-lo. Não há vícios no seu corpo “dramatical”.

Creio como consenso a sua força, a porrada, vísceras. Mas não saltadas aleatoriamente pra fora do ventre, e sim vísceras organizadas poeticamente por uma dramaturga. Mesmo vivendo, segundo consta, numa câimbra de depressão e desespero, Sarah provavelmente sabia onde por os pingos, mas não queria necessariamente optar pelos “is”.

Jovens artistas são assim, jovens atores são muito assim (por que o público jovem também não seria assim?...).

Em resumo, percebo o prestígio de 4.48 Psicose nesses ávidos agentes. Um texto aberto a possibilidades de interpretação e recriação, escorado em passionalidade, em tudo ou nada, em fio da navalha, mas, fundamentalmente, num “sai pra lá” dramaturgia conhecida e entendida. E isso pressupõe um “novo” (pensamento, experimento...ator?).

O texto de Sarah Kane é muito particular. Assim como são particulares os exemplos de espetáculos contemporâneos que vimos no Ciclo. Espetáculos muitos deles encenados em ruas, galpões, viradas culturais, prédios, e mesmo em teatros.

4.48 Psicose desafia o estudo e desafia o dramaturgo a se virar perante a acolhida entre os jovens – atores e público – por textos que lancem palavras de um novo trampolim, mais alto, mais arriscado, cuja queda molhe a todos que estão por perto. Um salto com estilo variado, às vezes até sem som.

O estudo de dramaturgia contemporânea revela experiências teatrais – em geral de companhias experimentais – como uma puxada de tapete no credo, no conhecido, um salto ornamental inseguro que provoca, que atrai.

Vê-se que Sarah Kane pulava do alto.

(Alessandro Toller)

Um comentário:

  1. Ale! boa reflexão e otimo texto. Creio que em 4.48 Psicose tem disso também, assim como as vertentes inovadoras da dramaturgia, o impactante do salto, gera uma absurda força para novos entendimentos, e na juventude tão necessitada de rotas e direcionamentos essa força é mais que atraente, é o reflexo dessa necessidade.

    A busca é intensa, constante e vertiginosa.

    beijares e abraçares, Elaine

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