cartaz do espetáculo
Segue no cartaz em Santo André, em dias alternados até 29 de abril,Roca de fiar, concebido e realizado pelo grupo Pontos de Fiandeiras. Há quem chame de show, o grupo prefere espetáculo cênico-musical. Diferentes denominações possíveis para um formato que alia música e cenas interpretadas.
Os que preferem show talvez se remetam à cantora Maria Bethânia, que nunca se contentou em apenas cantar, e também recita poemas, interpreta narrativas e trechos de teatro. Talvez a diferença esteja aí: como Bethânia é cantora, o que ela apresenta é um show. Como o Pontos de Fiandeiras é um grupo de atrizes, elas definem o trabalho como cênico-musical. No caso, a denominação é um detalhe.
Ao se assumirem como atrizes que que se propõem a cantar, Camila Shunyata, Patrícia Nogueira e Roberta Marcolin Garcia colocam o foco na interpretação e, portanto, no conteúdo das cenas e canções apresentadas e não em sua afinação ou talento musical. Eles existem, mas a força está mais no aspecto cênico que em possíveis acrobacias vocais. Foi uma aposta inteligente na medida em que se casa perfeitamente com o tema do espetáculo: o trabalho de fiação.
Roca de fiar desfia em cada canção uma história ou situação ligada ao ofício da tecelagem. As cenas que servem como entremeio às músicas são textos criados por elas mesmas, baseados em vivências ou pesquisa, e a unidade é garantida por um elemento a mais: uma narrativa sobre a indústria têxtil em Santo André é apresentada em retalhos, ao longo do espetáculo.
Premiadas com verba do Fundo de Cultura do município, o grupo traduz musicalmente um dos aspectos mais fortes da história da cidade, mas que é ainda pouco conhecido.
Assisti à estreia e, por isso, havia certa tensão no ar, inclusive na plateia, composta por amigos e familiares que torciam pelo sucesso da empreitada. O nervosismo não comprometeu a performance, mas creio que ao longo das apresentações as artistas adquiram mais confiança, a ponto de se relacionarem mais tranquilamente com o público nos momentos em que isso é necessário. Creio que se o espectador é solicitado a participar, essa participação deve ser valorizada e aproveitada ao máximo. Até porque a relação alimenta o artista e a cena, fornecendo material cada dia diferente, enriquecendo o repertório e ressoando, inclusive, em futuros trabalhos.
Caso haja oportunidade, sugiro que ao menos uma vez o espetáculo aconteça no espaço de um bar, por exemplo, com os espectadores sentados às mesas, sem uma divisão tão radical entre palco e plateia, que inibe as manifestações. Tenho a impressão de que a atmosfera seria mais descontraída, favorecendo a relação e, consequentemente, o trabalho.
Para a realização do trabalho, as atrizes contam com uma banda que, tão afinada com o projeto, bem poderia aparecer um pouco mais. Justamente por não serem da área musical, as compositoras preocuparam-se mais com as letras, de modo que cada intervenção musical tem a medida exata da canção. Meus ouvidos sugerem que haja, em alguns casos, uma introdução ou finalização instrumental maior, ou momentos solo no meio de cada música. Seria agradável que a cena se abrisse para que os músicos tivessem destaque. Seria como um bordado, uma fita, um laço que se destacam no todo da peça.
Esses momentos exclusivos da banda, além de serem agradáveis, seriam um intervalo de repouso das atrizes, ou de preparo para a próxima cena, assim como uma pausa para que o público pudesse refletir sobre as letras ou o texto, fruindo aos poucos tudo o que é oferecido.
Há um cuidado especial com o figurino, os cabelos e objetos de cena, procurando uma interlocução com o tema geral. E percebe-se também uma atenção especial na apresentação das músicas na medida em que as vozes são trançadas ou se desfiam mais soltas. No caso da interpretação das cenas, há espaço também para o humor, a emoção, o mistério - o que ajuda a dar colorido ao conjunto.
Meu nome liga-se ao trabalho por dois motivos. O primeiro é a concepção temática, a composição de uma das letras e a colaboração na letra que permeia o espetaculo. O segundo é o outro projeto do grupo: uma montagem teatral que também vai abordar o tema da fiação. Neste caso, a situação vai se inverter. Em vez de show pincelado de cenas, será teatro com algumas intervenções musicais.
A ideia é que o grupo tenha dois projetos a oferecer e que, embora independentes, um complemente o outro.
Espero que Roca de Fiar tenha uma longa estrada e, quem sabe, inspire outros grupos a se arriscarem também nesse formato. Com o tempo, tudo se arremata: as atrizes ficam mais à vontade no papel de cantoras e isso torna o show cada vez melhor. E, por sua vez, as cantoras trazem mais descontração e confiança às atrizes em sua relação com o público, o que beneficia o espetáculo. É confiar!
Adélia Nicolete
abril de 2012
Esta postagem não se pretende uma crítica ou juízo de valor. Trata-se, acima de tudo, de um exercício de leitura da cena, com finalidade acadêmica.
Existe uma fiandeira no mundo, que fica sentada em sua cadeira de balanço,seus cabelos voam na brisa leve, seu olhar é úmido e alcança o horizonte que ainda não vemos e seus pés se apoiam numa enorme bola de fios de algodão puro, quanto mais tece, maior vai ficando o novelo. Ela se esgueira entre os pontos e vai somando aos nossos sonhos todas as inspirações, ela é velha, quase bela, vez por outra para o que faz, apoia seu trabalho no novelo, levanta e espreguiça-se, olha para o céu com suas estrelas, para o mar com suas estrelas e sorri e pelo céu de sua boca, pérolas vão escorrendo delicadamente e se juntando no inconsciente dos artistas, a essa junção eu chamo de poesia, a essa junção eu chamo de entusiasmo, pois é cheio e plenificado da força dos Deuses, e ela retomando as agulhas tece nossos sonhos ainda não sonhados, as nossas esperanças que ainda não sabemos ter, ela rege um movimento. Um movimento secular, antigo e longínquo, nos emociona e cuida para que a arte não sucumba às dores do mundo. Vez por outra alguém se apropria disso e dança, faz sons, elege personagens, canta em frente o espelho e ela tecendo, sorri novamente, cumpre a sua missão!Todo carinho pelas elegancias do mundo, Elaine Bombicini
ResponderExcluirRoberta Marcolin Garcia comentou:
ResponderExcluirQue inspirador, Adélia Nicolete. Estamos refletindo para nos arriscar mais um pouquinho em nossa Roca! E nos sentir mais tranquilas para fiar o nosso pano novinho... A cada dia de encontro com o público
creio que as tramas nos mostram por onde o caminho
Oh, Elaine... Que imagem mais linda voce teceu pra gente! Vou mandar pras meninas e pro Serginho, pois é seda pura, cambraia de linho!
ResponderExcluirAdélia, ela existe e cheira a cânhamo!
ResponderExcluirMande sim, para mim é uma honra! Foi um prazer escrever, na verdade veio pronto! Só transcrevi.
Acho que vou transformá-la em uma história.
Beijos e todo carinho, desejo felicidades ao grupo!! Elaine
Camila Shunyata comentou:
ResponderExcluirFiquei muito feliz de ler suas linhas, elas orientam muito, como sempre, para o nosso desenvolvimento... muito obrigada querida. Estamos nos dando conta de novas nuances, texturas, trançados a cada encontro com o público e é bom saber que há um horizonte ainda para percorrer de infinitas descobertas..os fios seguem encantados...