terça-feira, 10 de abril de 2012

Palavra de fiandeira - por Camila Shunyata


Patrícia Nogueira, Roberta Marcolin Garcia e Camila Shunyata
Imagem do espetáculo Roca de fiar


Ontem, 5 de abril, presentificamos a nossa Roca de Fiar. O olhar de você Adélia e do Sérgio para o nosso fazer teatral, o nosso encontro, tem contribuído muito no  aperfeiçoamento dos fios, das linhas, dos tecidos que estão sendo criados... 

Percebi-me e ao grupo na Roca, na cena, presentes, compartilhando as nossas memórias, compreendendo o que era dito, narrado, cantado, gesticulado, pausado... fiquei comovida... Lembrava de vocês falando que aquelas senhorinhas, embora brigassem o tempo todo por bobagens, como boas velhas "cricris", eram muito companheiras e se olhavam com afeto, com amor... Ontem olhei a todos com este amor, um sentimento que pulsava na relação com o grupo, com o público. 

Após o espetáculo conversamos com um grupo de aprendizes de teatro do Consorte. Foi tão revelador... nos demos conta de tantas coisas que estavam ocultas. Por exemplo, a Patrícia recordou do quanto intentávamos ir até Goiás conhecer o reduto das fiandeiras e como ficamos tristes, frustradas por não termos conseguido ir... e que depois, com o processo e os alimentos que vocês nos ofertaram descobrimos a riqueza da história das tecelagens da cidade de Santo André,  cidade onde nascemos, fizemos amizades, nos desenvolvemos, nos formamos, plantamos enfim nossos sonhos...

Ao dialogarmos com as pessoas sobre o nosso percurso vivido, refletimos sobre a nossa história, perguntamos sobre eles também, ainda com timidez, mas gostei tanto da espontaneidade ao perguntar coisas simples, se eles estavam se iniciando no teatro, se estavam gostando desta experiencia... O público nos retornou percepções que nos surpreenderam, sobre a nossa sintonia na cena, na fluência do movimento-canto-palavra, palpites mais específicos do fazer teatral, mas também se referenciaram ao que eu havia sentido em cena, como o nosso olhar estava vivo, desperto, cúmplice durante o espetáculo. 

Bom, estou motivadíssima com a criação do nosso espetáculo, agradeço ao universo a cada dia pelo nosso encontro, estou amando.

Só um último depoimento. Ontem, após a conversa com o público, divulgamos as oficinas que estamos ministrando no Gambalaia e que fazem parte do Fundo de Cultura. Então alguém disse "ah, sim, a tal "contrapartida" né?". Percebi a crítica realizada, e até concordo com ela, pois muitos editais hoje impõem a realização de contrapartidas como essa, e em muitos casos o grupo não está com o mínimo interesse de realizá-la, não tem desejo desta relação de troca/aprendizagem/vivencia. Gostei do modo como a Roberta respondeu a esta fala: disse que sim, era uma contrapartida, e focou no que a motivava a realizar as oficinas. Que o contato com outras pessoas estabelecia novas redes de entendimento sobre este universo das fiandeiras, sobre o trabalho que desenvolvemos em si, mas também sobre o encontro, posto que cada um seria convidado a desfiar suas memórias sobre as relações com esta arte milenar, com o tecido, com o canto, com a amizade, com os muitos temas que envolvem esta trama. 

Penso que este mesmo é o caminho para o encontro com o público, o contato vida a vida, seja por meio de diálogos, seja na intenção de um gesto, uma palavra, um objeto que se entrega, é um jeito de acolher e de estabelecer o convite para que ele retorne a este ou qualquer outro espaço de encontro com o teatro.



Camila Shunyata
Atriz do grupo Pontos de Fiandeiras

Um comentário:

  1. Camila, se me permite ir entrando assim, de observadora, e muito curiosa para conhecer o trabalho de vocês, gostaria de expor um sentimento antes mesmo da certeza, assim depois de visto talvez eu confirme este sentir!
    Trabalhar com fios e linhas, sejam reais ou mentais, nos leva a uma forma de Re criação, segui-los, orná-los, trançá-los, cortá-los, ou simplesmente segurá-los, nos dá a importância de conectores com algo maior. Os fios do tempo, da construção. Construir dentro, construir fora. Essa re criação não precisa ser séria, pode ser assim "re creadora" - que no fundo significa diversão que redefine. Redefinir!
    O estar no mundo, olhar o céu e dar a contrapartida... esse é um processo amoroso.
    é como fazer crochê, adiantamos com a laçada o caminho da linha, que volta para trás carregando o que aprendeu na laçada seguinte! Acho que esse é um trabalho que vai surpreender. Mawaca, começou assim, com laçadinhas!
    Olha, acho que esse amor está chegando ao mundo! Coloquemos os fios para conversar...um grande abraço, Elaine

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