domingo, 4 de abril de 2010

Um teto todo seu



Virginia Woolf retorna ao nosso blog, ferindo a pedra das circunstâncias, a partir de um comentário feito por uma colega no nosso primeiro encontro do Ciclo.
Mariana, ao se apresentar ao grupo, disse o quanto pode ser frustrante, o quanto pode ser emburrecedor o fato de não se trabalhar no que gosta. Dedicar oito horas do seu dia a afazeres que nada tem a ver com o seu talento, suas ambições, porque é preciso ganhar a vida de alguma forma. E o tempo que resta ser dividido no cumprimento de outras obrigações, no descanso e, quem sabe, só depois, no exercício de uma atividade criativa e prazerosa. A fala de Mariana encontrou ressonância em muitos dos colegas, pois é fato que, ao menos no Brasil, poucos artistas tem o privilégio de se manter por meio da própria arte.

Acrescento ao problema levantado, infelizmente, a questão de gênero. Digo infelizmente porque estamos no século 21 e essas abordagens a respeito da diferença entre homens e mulheres deveriam ter ficado no passado. Espero estar errada, espero que algum internauta me corrija, com provas irrefutáveis quando digo que para a mulher a situação continua mais difícil. Como se dedicar à poesia, à literatura, à arte em geral quando se tem de cumprir jornada de trabalho para garantir o sustento da família e, ao voltar para casa, dar conta das tarefas domésticas, cuidar dos filhos, preparar a comida e, quando se consegue, descansar, para começar tudo de novo no dia seguinte? Que espaço, que energia sobram para a dedicação à arte, a alguma atividade criativa?

E não falo só da chamada “mulher do povo” - essa talvez nem tenha tempo ou informação suficientes para reconhecer em si uma possível necessidade de arte. Me atenho à realidade do Ciclo de Estudos, formado, em sua maioria, por mulheres que trabalham em casa e fora dela e que, tenho certeza, tem de empreender um grande esforço para estar presentes nas noites de quinta-feira, com os textos lidos e estudados, com material para contribuir nas discussões. Tempo para ler esse post – que eu escrevo antes de preparar o almoço, arrumar a cozinha e cuidar de pessoas que precisam de mim.
Prometo em outra ocasião defender os interesses masculinos. Hoje, domingo de Páscoa, dedico às mulheres, citando, mais uma vez, Virginia Woolf.

Trata-se do livro “Um teto todo seu”, publicação de dois ensaios da autora a respeito do tema “a mulher e a ficção”, lidos em público em 1928. Neles Virginia procura demonstrar o quanto as circunstâncias até então impediam a mulher de se dedicar à literatura e às artes. A certa altura ela descreve uma situação bastante parecida com a do testemunho de Mariana ao dizer que, antes de receber uma herança que garantiria seu sustento para o resto da vida, se dedicara a mendigar “trabalhos esporádicos nos jornais, fazendo reportagens sobre um espetáculo de burros aqui ou um casamento ali; ganhara algumas libras endereçando envelopes, lendo para senhoras idosas, fazendo flores artificiais, ensinando o alfabeto a crianças pequenas num jardim de infância”, pois “tais eram as principais ocupações abertas às mulheres antes de 1918”.
Virginia diz que, mesmo não precisando mais desempenhar tais tarefas para sobreviver, ela ainda guarda a sensação “do veneno e da amargura” que aqueles dias geraram nela. “Para começar, estar sempre fazendo um trabalho que não se queria fazer e fazê-lo como uma escrava, lisonjeando e adulando, nem sempre necessariamente, talvez, mas parecia necessário e os interesses eram grandes demais para se correr riscos; e depois a ideia daquele dom único que era morte ocultar (um dom pequenino, porém caro para sua possuidora), perecendo, e, com ele, o meu ego, a minha alma (...)”.
Será que isso ficou distante, na Inglaterra do século passado?

Para conhecer mais profundamente as ideias da autora e saber o que, para ela, é fundamental que as mulheres conquistem se quiserem viver dos seus talentos artísticos basta ler os ensaios na íntegra – o que podemos encontrar no link abaixo:

http://brasil.indymedia.org/media/2007/11//402799.pdf

Feliz páscoa a todos.

2 comentários:

  1. desse post abdico de comentar, forte e reflexivo, resta desejar que através da Páscoa se renasça pela nova oportunidade de passagem.

    Boas renovações, e viva V Wolf.

    saludos, Elaine

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  2. Não paro de ler esse post, desde semana passada é algo que ainda ecoa em mim....

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