(Sandra Cinto - "A ponte impossível", 1998, pintura automotiva sobre madeira e mdf, 120x300x50 cm)
Numa sala de espera de um hospital.
Homem - Dá para vc parar de me chamar de papai Noel!
Moça embriagada- Olha a sua barba tão grande. (pausa) E que nariz grande que você tem, e que orelhas enormes que vc tem. Já sei você é o lobo mau que comeu a vovozinha! Literalmente. (Ri descontroladamente)
Homem - Respeita que eu podia ser teu avô. Essa juventude tá sem limites. (pausa)
Moça - Um conselho pro bom velhinho. Vai pra casa. A mamãe Noel tá sendo bem cuidada na UTI, você ouviu, vai pra casa. Olha que o Roberto Carlos já deve estar cantando. “Então é Natal, o Ano novo também, o ano termina e começa outra vez...”.
Homem - Quem canta essa musica é a Simone.
Moça - Jura? (pausa) Eu tinha certeza que era o Roberto Carlos, o cabelo, o terno branco. (a moça senta numa cadeira).Cadeira dura. Eu vou esganar a Estela. Passar a noite de natal numa cadeira dura dessas. (pequena pausa) Sem a gritaria da família, sem briga, sem ouvir “Então é Natal, e o Ano Novo também...” (debochada) Olha, acho que vou me matar! (Ri)
Homem - Nesta vida tem horas de a gente tem que escolher o menos pior. (pausa) Você tem que beber menos, você é muito nova pra isso. Não sei como não te internaram e te colocaram no soro. (pausa) O que a sua amiga tem?
Moça - Sífilis Vaginal. (homem demonstra embaraço e a moça ri escandalosamente) To brincando! A Estela é minha irmã. Ela estava com dor de cabeça forte. Eu falei para ela beber um pouco que passava. Mas ela não quis! A boba quis vim por hospital. Eu trouxe.
Homem - Você veio dirigindo?
Moça - Papai Noel me conta uma coisa! Confessa só pra mim, o senhor é petista não é? A barba grande e a roupa vermelha. Olha se eu fosse o senhor eu virava presidente e a mandava colocar umas cadeiras mais confortáveis aqui. Cadeira não. Poltronas. É isso poltronas.
Homem (entrando no devaneio da moça) - E uma TV de 42 polegadas, igual a que eu vi na novela.
Moça - É isso ae Papai Noel. Agora tamo falando a mesma língua...
(A situação acima foi criada pela Bárbara do Amaral. Trata-se de uma primeira versão, baseada em nossa apreciação da obra da artista Sandra Cinto, apresentada na postagem "Sem título - obra de referência".
Outras versões serão escritas a partir de sugestões e análises feitas neste blog pelos colegas e outros interessados)
Bá, é tâo divertido este encontro que me parece ser tão inusitado... é um misto de melancolia, própria desses natais que nos obrigam a ficar emotivos, com uma certa ironia, um rir-se de si mesmo.Não teria um "e se", mas tenho uma vontade de ver este encontro sendo avançado em um texto mais longo. Bate uma curiosidade de saber onde estes dois podem chegar...
ResponderExcluirSol
Eu tb não tenho nenhum "e se"...
ResponderExcluirAdorei, Bárbara. Também acho que dá para continuar esta conversa mais um pouco. Talvez venhamos a conhecer um pouco mais da vida do papai Noel. E embarcando na idéia da Sol, a meia noite pode ir chegando...
fiquei pensando: porque o velho entrou na onda da moça, no final do texto? é uma opção arriscada, porque talvez isso possa encamihar a ação para um lugar menos interessante do que o que vem escrito antes, que está bem construído. acho que esse texto permite a visualização da cena de uma forma solta, ou seja, não há nada engessado. gosto disso.
ResponderExcluirBaby,
ResponderExcluirli umas 3 vezes e ri muito em todas elas...
um dia quando eu crescer eu quero escrever assim... solto, leve, com tal descompromisso que nós nos compromissamos com o texto. (aqui descompromisso no sentido mesmo de leveza, simplicidade).
Não tenho um "e se..", mas gosto de imaginar essa continuidade, gosto de pensar que algo muito estranho pode sair disso, até gosto de pensar que esse barbudo tem algo misterioso e mágico... noelísticamente falando, se fosse um conto, gostaria de ver essa trasnformação neles...
beijo redondo, Elaine
Muito Divertido! É leve mas como a Sol falou o texto possui uma melancolia característica da época natalina. Acho que eles poderiam continuar o diálogo analisando o que ocorre com as pessoas que acabam em um hospital na noite de Natal, a coisa pode descambar para a compaixão ou para a comédia rasgada.
ResponderExcluirOi BA, achei muito interessante... músicas, ações, estados que falam mais que diálogos ou rubricas. Divertido, debochado e sensível.Sem e se.
ResponderExcluirDiálogos que já começam começados, sem maiores apresentações. Contrastes, oposições que encaminham a situação pra lugares imprevisíveis.
ResponderExcluirComo a proposta é, a princípio, algo breve, penso que há um pouco de desperdício na comparação da barba/vermelho com PT.
Trabalhar com personagens bêbados, às vezes, descamba para o óbvio, o exagero sem muito proveito (não estou dizendo que é esse o caso).
Gosto de pensar que um bêbado pode estar se fazendo de bêbado pra fugir de alguma coisa mais séria. E também me agrada a pista que você dá de um blefe do homem sério e ranzinza com o nonsense dos alcoolizados. Talvez essa inversão, essas novas verdades que surgem em salas de hospital podem estar à espreita da moça e do homem.