(Sandra Cinto - Instalação "Construção", 2006, desenhos sobre papéis tingidos)
Barulho de máquinas de lavar. Ela carregando um cesto pesado de roupa.
Ele com uma sacolinha. Poucas roupas.
O VELHO - Minha mulher foi embora.
MULHER - Hum!
O VELHO - Filha da puta, ela é quem devia de lavar estas roupas. Não sei usar isto, não!
MULHER - As brancas com as brancas, coloridas com coloridas, bota dentro, aperta o botão e espera.
O VELHO - Sessenta anos de casado... Filha da puta. Sabe o desenho do pica pau? Ele sempre se dá bem mesmo quando se dá mal. Ele é um grande de um sacana.
MULHER - Sei.
O VELHO - Filho da puta. Igual minha mulher. Parecia um anjo... Só parecia... Levei sessenta anos pra descobrir.
MULHER - Acontece.
O VELHO - Você é bem forte, hein? Nem parece mulher. Quando entrei aqui e olhei pra você, pensei: o que faz uma mulher ficar com esses músculos de homem, pra que isto?
MULHER - Paciência.
O VELHO - Pensei que se minha mulher tivesse esses músculos de homem eu enfiava a mão na cara dela.
MULHER - Que bom então que ela foi embora.
O VELHO - Sabe, quando eu tava de bom humor a gente ia numa sorveteira. A gente gostava de tomar aquele sorvete, aquele verde, meio azul, sabe qual é? Aquele de nome esquisito?
MULHER - Pistache.
O VELHO - Este mesmo. Pistache. Filha da puta. Ela tinha que ter ido embora? Olha, tá escorrendo água pelo chão.
MULHER - Hum, hum...
(A situação acima foi criada pela Solange Dias. Trata-se de uma primeira versão, baseada em nossa apreciação da obra da artista Sandra Cinto, apresentada na postagem "Sem título - obra de referência".
Outras versões serão escritas a partir de sugestões e análises feitas neste blog pelos colegas e outros interessados)
Eu gosto do tom ranzinza do velho até porque, quando sofremos por alguém sentimos raiva mesmo. E ele mescla a raiva com lembranças boas e aí sente mais raiva ainda. Acho muito rico! Gosto também da personagem da Mulher, de outra geração, sem tempo, sem paciência com o velho... e esse encontro é muito interessante.
ResponderExcluirMas eu senti falta de alguma coisa, não sei o que... Então meu "e se" vai ficar um pouco incompleto, talvez os comentários dos outros colegas completem o buraco que eu vou deixar aqui.
Acho que o velho provocou a mulher para ele ter com quem brigar, já que a mulher não está mais ali para isso. E a mulher não entrou na dele. Deu uma ignorada. Talvez o meu "e se" seja que a mulher se deixasse afetar pelo velho... não sei ainda.
Prometo que eu vou pensar mais nisso.
eu gosto de textos assim. que falam do cotidiano. é o velho que não enxerga o outro, que já está impregnado de manias. a mulher que não tem mais obrigação de conversar se não quiser. a máquina que serve para um e para outro é um tormento. é isso... gente de verdade.
ResponderExcluirSol!
ResponderExcluirgosto da forma como você trata o cotidiano!
Sinto muito claro o todo desse momento. E me toca por dois motivos:
1. por ser mesmo algo com o cotidiano, forte aguçado, sem melindre.
2. aqui vou concordar com a Carina, algo hace falta, mas acho que imagino o que seja, vamos ver se colaboro mais que complico...
falta o tempo...
mais tempo pra gente ir além, saber mais, se aperceber da grandeza que é esse simples.
Talvez...apenas talvez possa ser isso...
beijares e abraçares, Elaine
Ótimo!!! Adorei o sorteio desses personagens! Sol acho que esse texto deve continuar, o sabão escorrendo, um acidente, algum personagem novo entre eles. Quem sabe alguém fazendo a manutenção da máquina e servindo de um tipo de juiz ou mediador para a conversa dos dois. Vejo uma multidão lavando a roupa suja. :)
ResponderExcluirGalego
Galego! que idéia intrigante!
ResponderExcluirSol,
ResponderExcluirGosto bastante deste encontro, deste desabafo do velho, que para mim também pareceu procurar briga ou quem sabe achar no outro (aqui a moça alterofilista) a força que já não há nele, ou provocar alguém sabendo que irá apanhar como uma auto punição. E complementando o E SE genial do Adriano, um observador-narrador de luta que transmita e mantenha a tensão de alguém provocando uma confusão e todos os sentimentos dos envolvidos.
Bárbara
Como ocorreu no texto do Adriano, também senti um terreno fértil pra direção e interpretação. Um terceiro e emudecido personagem que fica numa espécie de recepção e observa a fauna que frequenta o local.
ResponderExcluirO Velho entra primeiro, com a sacolinha. Não sabe mexer direito nos botões, esbraveja. A Moça entra depois, carregando o cesto. Trata do serviço com desenvoltura. Senta e espera, folheia uma revista, enquanto ouve o ipod.
Ele puxa assunto, ela não escuta direito. A conversa segue exatamente como está, mas com pausas incômodas.
A solidão dos três personagens invade a cena, como a água que vaza das lavadoras.
Queridos, obrigada pelos comentários e pelas ótimas sugestões. Eu também gosto desses dois e acho que pode dar pano pra manga, sim, colocar um terceiro personagem. E a ideia de ser um espaço de lavagem de roupa suja é tudo de bom...
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