quarta-feira, 12 de maio de 2010

Teoria do caos




Querida Adelia,
 
Eu queria muito ter comparecido na última quinta-feira, mas às vezes acontecem coisas inexplicáveis que mudam nosso destino.
 
É curioso como algo consegue, repentinamente, parar tudo ao redor. Carros, motos, pessoas, palavras, tudo! Todos são afetados, uns mais e outros menos. Mas todos acabam ficando suspensos, mesmo que por um flash de um segundo. Enquanto para mim, um segundo foi como um salto de bungee jumping em câmera lenta.
 
Fora os arranhões e hematomas que começavam a se desenhar, tudo estava bem. Então tratei de recolher os rascunhos, Gilles, Jair, canetas, Lipovetsky, e pensamentos que se espalharam no chão, na tentativa de manter algum controle sobre tudo aquilo e não perder nada. Mas a esta altura, algo já havia sido perdido.
 
Um buraco no chão e destinos alterados. Alguns se atrasaram um pouco para seus compromissos. Outros não compareceram. Alguns mudaram seus caminhos. Outros seguiram adiante. Alguns pararam para socorrer uma moça caída no chão.
 
Você está bem, moça? (É claro que não). Me conta o que aconteceu, coração? Eu estou bem, estou ótima, nada me aconteceu. E a moto? Não tão bem quanto eu. Consegue voltar para a casa? (hunf...) Consigo!

(Carina Freitas)
(A imagem foi escolhida pela autora)

5 comentários:

  1. Esta carta, na verdade, foi um e-mail enviado a mim pela Carina como "lição de casa" quando faltou a um dos encontros. A proposta foi a mesma dada aos demais: uma mensagem abordando quaisquer pontos discutidos sobre a pós-modernidade.

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  2. um buraco no chão e destino alterados... tudo é efemero e a carta da Carina, mostra bem esse aspecto do ritmo dos dias atuais.
    Viver nessa época é pra poucos com estofo, ou pra muitos fantoches. Que bom que voltou inteira pra casa e nao faltou mais nos encontros.

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  3. Tantas idas e vindas, tantos compromissos, idéias,poucos caminhos e muitos destinos, o que nos faz suspender por um minuto é o que está fora de nosso controle.. pois é... nem GPS nos salva, o google maps não avisa nem o celular alerta que há perigo na pista.
    E em momentos como esse, no segundo que antecede a queda, fogem todos os recursos, entra-se em estado de espera, nada passa... do chão.

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  4. A carta da Carina remeteu-me que já que hoje podemos tudo, então cada vez mais tentamos controlar o que não está na nossa "jurisprudência": o acaso. E claro a frustração é certa.

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  5. Nesse e-mail, não assinado, embora enviado a uma destinatária real e se referindo a situações reais (o encontro das quintas-feiras, o problema com a moto, o desfecho positivo do acidente), nesse e-mail Carina oferece uma leitura da realidade que remete à Teoria do Caos – daí o título, que ela deixou a meu critério.

    Essa Teoria, que ganhou mais destaque a partir dos anos 1990, embora seja bem anterior, trabalha, entre outros elementos, a noção de que “uma variação, por mínima que seja, em determinado ponto de um sistema dinâmico, pode provocar consequências inimagináveis”.
    Daí que o sistema dinâmico (ou às vezes bem estático) do trânsito numa tarde paulista foi alterado pelo acidente com a moto. Esse é o fato. As consequências, próximas ou distantes, Carina tratou de imaginar.

    Seu texto é bem construído, na forma e nas imagens, tais como arranhões e hematomas que começam a se desenhar no corpo. Ou na descrição que faz do que recolhera do chão: “rascunhos, Gilles, Jair, canetas, Lipovetsky e pensamentos” - a ordem em que descreve comprova que estavam mesmo espalhados.

    E quando afirma que, mesmo recolhidos objetos e pensamentos “algo já havia se perdido”, Carina fala da aparente estabilidade que fora alterada, dos destinos e compromissos, fala do encontro que teria conosco à noite, impedido pela variação inicial.

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