quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Estilhaços - de Carla Silva


(Sandra Cinto - "Sem título" da série "Noites de esperança" - 2002, desenho sobre madeira pintada, 200x150cm)

ENGENHEIRO

(está visivelmente bêbado) Eu, tu, ele, ela. Nós... Vós. Eles. Elas. (ri) Ópio é heroína? (vomita)

ESCRIVÂO

Você bateu no meu carro! Que merda...

ENGENHEIRO

(olhando os carros) Vixi... (silêncio). Fodeu todo o vidro do meu carro...

ESCRIVÃO

Você entrou na rodovia sem olhar, porra.

ENGENHEIRO

Seu carro apareceu do nada.

ESCRIVÃO

(ao celular) Marcão, to aqui perto da entrada da marginal. Manda alguém aqui. Bateram no meu carro. O cara tá chapado. (ouve) Não, meu! Ele vai vomitar no meu carro, pô! Manda uma viatura. (desliga o telefone)

ENGENHEIRO

(silêncio) Ó... toma aqui meu cartão. (ri alto) Meu cartãozinho. (gargalha)

ESCRIVÃO

(ao celular novamente) Oi amor. Já to chegando, tá? (ouve) Não, tá tudo bem. (ouve) Tá. Um beijo. (desliga)

ENGENHEIRO

Ó... Eu não consigo mais dirigir.

ESCRIVÃO

(atende o celular) Oi. (ouve) Já? Faltam só quinze minutos, é? (silêncio) Não vou conseguir chegar aí, amor. Bateram no meu carro. (ouve). Não. Não vou autuar o cara. Ele ta vomitando, vai fazer uma puta sujeira. (ouve) Tá. Beijo. (desliga. Silêncio) Que saco.

ENGENHEIRO
Eu odeio essa porra de natal. (acende um cigarro)

ESCRIVÃO

Me dá um cigarro aê.

ENGENHEIRO

Pega aê... (oferece o maço. Olha os carros novamente e sente um cheiro). Vixi... agora tá vazando gasolina.


GAME OVER



(A situação acima foi criada pela Carla Silva. trata-se de uma primeira versão, baseada em nossa apreciação da obra da artista Sandra Cinto, apresentada na postagem anterior.
Outras versões serão escritas a partir de sugestões e análises feitas neste blog pelos colegas e outros interessados)

8 comentários:

  1. Carla, achei os diálogos bem dinâmicos, deixando claro as diferenças entre os dois personagens no seu exterior. E se pudéssemos enxergá-los também no interior? E se o acidente detonasse em um deles, ou nos dois, algo que não podia ser detonado, algo revelador? Aquela idéia das várias camadas...

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  2. Acho o texto bem objetivo. Comunicou exatamente o que queria e nos deixa muito claro para visualizarmos nitidamente a situação. Notei que a Carla reduziu as réplicas, ajustando a proposta. Ficou mais dinâmico e não perdeu nada em profundidade. Gosto do celular em cena, pois nos traz algo bem atual e cotidiano.
    Este é mais um texto que me parece fazer parte de algo maior, como o que comentamos na aula passada. Como se fosse um conto de uma série de histórias de Natais não convencionais (frustrados, comicos ou marcantes). Me agradou.

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  3. Oi Carla,
    um texto com clareza e objetivos bem definidos.
    Ele tem força própria e isso para esse tipo de proposta diz muito.
    Nesse momento, não me ocorre nenhum "e se..", ele é tão explosivo como o que poderia estar por vir. E dá-lhe isqueiro na gasolina...rs
    grande abraço,
    Elaine

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  4. Adriano Galego Geraldo11 de novembro de 2010 às 17:34

    Oi Carla, achei o texto muito legal! É dinâmico e veloz! Achei legal o celular, ele pode funcionar como um ruído muito rico! Os personagem podem descobrir coisas em comum! É isso ai!

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  5. Carla,
    Adorei, concordo com Carina quando diz que fala de algo maior. Achei a primeira fala do escrivão meio óbvia, meio começando a historinha, depois lembrei me erroneamente que ele estaria bêbado, então ri muito...E se ela realmente fosse do bêbado e começasse o texto? E se este bêbado falasse sempre o óbvio? O celular é um símbolo muito interessante, assim como os 15 minutos que faltam. E se você se aprofundar no que estes símbolos causam à estes personagens?

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  6. pessoal TODO do nosso ateliê,
    valeu por todos os toques. esse exercício de escrever, postar e ler os coments sobre um texto nosso é muuuuuuito loko... to curtindo demais!
    andréia: gostei do seu E SE, e devo investir nele! valeuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu! foi genial! haha! bjokas, povo!

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  7. Carla.

    A batida de carro é um acontecimento cotidiano que poderia encaminhar para algo mais interessante.
    Não sei se o fim vc quis dar entender que poderá explodir os dois carros com o vazamento da gasolina!?
    Bem, um SE: se eles discutissem outra coisa e não sobre o carro batido. Se eles falassem do cigarro, do natal, enquanto esperam a polícia ou o guincho?

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  8. A proposta era colocar numa mesma situação dois personagens de perfil contemporâneo. O que realmente diferencia um do outro além do porre e do contato com a polícia? O que há neles de atual fora o celular?
    Dois motoristas, homens, com o carro batido, a quinze minutos de uma data em que todos se veem na obrigação de confraternizar.

    Cigarro, gasolina, fagulhas do celular.

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