quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A linha que grita (Parte I)- ensaio de Edith Derdyk





Transcrevemos aqui, em duas partes, um ensaio escrito pela artista plástica e professora Edith Derdyk acerca da obra de Iberê Camargo.



"Reconhecemos o pintor Iberê Camargo como um dos grandes ícones da pintura contemporânea. Atualmente, com a presença atuante da Fundação Iberê Camargo documentando, catalogando e exibindo a obra de Iberê Camargo em sua extensão, amplia-se o leque de conhecimento sobre sua produção e percurso: da pintura à sua obra gráfica – o desenho e a gravura.

Seus desenhos continuam nos surpreendendo tal como quando nos afrontamos com a própria vida diante de seus quadros. São desenhos que afirmam descaradamente a genealogia de uma poética da dor da existência. “Pinto porque a vida dói”, afirma Iberê, artista-escritor, tendo lançado, entre outras produções, o livro de contos No andar do tempo (1988).

São desenhos desassossegados, ações gráficas que se repetem exaustivamente em ciclos, em turnos, em núcleos temáticos, acrescidos de pequenas diferenças, inflexões e nuances. De desenho a desenho emergem pequenos acontecimentos gráficos que escapam, deslizes sutis, porém avassaladores. A presença ostensiva de rastros borrados, mancha que se esparrama em contrações, traços que parecem sempre estar ali de passagem.

Transcendendo aos fatos pessoais da vida de Iberê Camargo, estas repetições exaustivas poderiam ser lidas como índices evocativos que apontam para uma necessidade humana, comum a todos nós: o desejo de se apropriar de algo inalcançável, algo em constante fuga, algo que está sempre ali, além.

São desenhos que parecem perseguir a si mesmos, enfáticos, por vezes discursivos e, simultaneamente, tão frágeis e voláteis. Os desenhos em Iberê despejam, no papel, uma atitude gráfica densa, matérica, concreta, aproximando-os de sua experiência pictórica. E sendo traços enfáticos e gritados, se traem por se enovelarem neles mesmos; se traem por serem gestos expansivos que, ao se esparramarem meio que involuntariamente no papel, imediatamente se contraem, parecendo nunca chegar lá. Mas la onde?

São desenhos de muitas vozes gritando no silêncio de um espaço."



DERDYK, Edith.  Formas de pensar o desenho : desenvolvimento do grafismo infantil.  Porto Alegre : Zouk, 2010.

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