Após verificar que em muitos dos textos postados aqui as reticências eram recorrentes, a colega Mônica dos Santos, formada em Letras pela USP, enviou a contribuição abaixo a respeito do uso das reticências na Língua Portuguesa.
Com relação as suas reticências gostaria de fazer alguns esclarecimentos (que acredito que serão pertinentes a todos nós):
1. Quando falamos em criação artística existe algo muito importante chamado licença poética, que nos permite subverter completamente alguns usos ditos corretos da gramática normativa, desde que haja uma intenção por traz disso (vide Saramago, Flaubert, Proust, Dalton Trevisan, dentre outros
2. Transcrevo aqui algumas indicações sobre o uso das reticências presentes livro “Nova gramática do Português Contemporâneo” (Celso Cunha), Editora Contemporânea, 2001:
As RETICÊNCIAS marcam interrupção da frase e, consequentemente, a suspensão da sua melodia
1) Empregam-se em casos muito variados. Assim:
a) para indicar que o narrador ou personagem interrompe uma ideia que começou a exprimir, e passa a considerações acessórias [...]
b) para marcar suspensões provocadas por hesitação, surpresa, dúvida ou timidez de quem fala
- Homem, vê... Pensa bem no que vais fazer... – avisou o prior
- Raquel é boa rapariga... Mas a geração... Olha, eu não digo nada, Resolve tu...
(M. Torga, NCM, 142)
- Você... tão sozinha... Não lhe ocorre, muitas vezes, que se um homem... Não tem vontade de casar-se...
(O. Lins, V, 19)
- Eu... eu...queria... um agasalho – respondeu soluçando a miserável.
(Graça Aranha, OC, 164)
c) para assinalar certas inflexões de natureza emocional (de alegria, de tristeza, de cólera, de sarcasmo,etc.):
- Há tempos que eu não chorava!... Pois me vieram lágrimas..., devagarinho, como gateando, subiram... tremiam sobre pestanas, luziam um tempinho... e ainda quentes [...]
(Simões Lopes Neto, CGLS, 128)
d) para indicar que a ideia que se pretende exprimir não se completa com o término gramatical da frase, e que deve ser suprida com a imaginação do leitor:
[...]
2) Empregam-se também para reproduzir, nos diálogos, não a suspensão do tom de voz, mas o corte da frase de um personagem pela interferência da fala do outro:
- A senhora ia dizer que...
- Nada... nada... – atalhou a mulher.
(A, M. Machado, HR, 15)
[...]
3) Usam-se RETICÊNCIAS antes de uma palavra ou de uma expressão que se quer realçar:
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
[...]
Observações
1.ª) Como os outros sinais melódicos, as RETICÊNCIAS têm certo valor pausal, que é acentuado quando elas se combinam com outro sinal de pontuação.
[...]
b) como sinal melódico (ponto de interrogação, ou ponto de exclamação, ou os dois conjugados. Neste caso, as RETICÊNCIAS, prolongam a duração das inflexões interrogativa e exclamativa e lhes acrescentam certos matizes particulares, que indicamos ao estudarmos aqueles sinais.
2.ª) Não se devem confundir RETICÊNCIAS, que tem valor estilístico apreciável, com os três pontos que se empregam, como sinal tipográfico, para indicar que foram suprimidas palavras no início, no meio ou fim de uma citação.
Modernamente, para evitar qualquer dúvida, tende a generalizar-se o uso de quatro pontos para marcar tais supressões, ficando os três pontos como sinal exclusivo das reticências.
PARA FINALIZAR GOSTARIA DE REFORÇAR MAIS UMA VEZ A IMPORTÂNCIA DA INTENÇÃO DO AUTOR NO QUE SE REFERE AO USO DA PONTUAÇÃO.
A GRAMÁTICA NORMATIVA É IMPORTANTÍSSIMA PARA NOS ORIENTAR, ENTRETANTO ELA NÃO PODE NOS ENGESSAR. PRECISAMOS CONHECÊ-LA NÃO PARA APLICARMOS "LEIS", MAS PARA TERMOS MAIS SUBSÍDIOS PARA A NOSSA ESCRITA.
Observação: Na "Nova Gramática do Português Contemporâneo" de Celso Cunha não existe nenhuma restrição quanto ao uso de letras minúsculas após as reticências (acredito que não há uma norma específica com relação a isso)
Eu amo... Adoro esses "três pontinhos".
ResponderExcluirMe sugerem, me carregam, me dão um tempo... Todo um tempo necessário para respirar, raciocinar e imaginar... Viva todos os três!!!