domingo, 20 de fevereiro de 2011

Texto de Azê Diniz


Tomie Ohtake - Sem título -  1983 - óleo sobre tela - 135 x 135cm



Vivo de ilusões. Mas tento, todos os dias, recriar o meu espaço. Acredito que seja por causa disso que tenha esse olhar tão superior.
- Desculpem-me! Não é minha intenção...
Meus olhos, ao verem o que desejo, explodem como uma bomba. Aquele objeto desejado torna-se meu único alvo. Meu sangue começa a circular de forma energética. Sinto o frio e o quente... Tudo ao mesmo tempo...
Para mim só há o início... E durante esse momento, nunca enxergo o fim! E é por isso que tenho que resistir sempre a esse tipo de corrosão... Esse câncer que só cresce...
Em um único movimento, resisto à sedução. Viro-me, dou às costas e vou embora sem comprar aquele eletrodoméstico que eu queria tanto e nem precisava... Principalmente agora...
- Eu? Desempregado! 

14 comentários:

  1. As imagens da tela estão presentes o tempo todo no texto, e isto é muito legal de ver e ler. E me parece que a personagem dá uma resposta certeira a uma pergunta incômoda... Adorei!

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  2. "Adorar" é demais querido... Acredito ser um texto simples e "colado de palavras sugeridas"... Mas a "surpresa de ser surpreendida" pela resposta final foi unicamente minha mesma... Nem esperava que fosse isso que a personagem estivesse vivendo... Pensei até o fim em "compras compulsivas"... E daí... o que se viu!
    BJS!
    AZÊ DINIZ

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  3. A Azê usa de temas super contemporâneos: ilusão, desejo e consumismo. Temas estes que discutimos bastante em aula a respeito do capitalismo e suas provocações. O texto para alguns poderia até ter um tom de humor no final, mas a descrição no desenvolvimento é angustiante. La vai um “e se”: não revelasse o motivo do desejo? É interessante o clima de sedução e o universo de ilusão que se encontra a personagem ou ainda pode ser uma sugestão até surreal, mas e se você personificasse essa ilusão, esse desejo, dando mais ênfase a essa problemática que você levantou?

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  4. Mariana Carolina de Lima23 de fevereiro de 2011 às 18:22

    Sem sombra de dúvidas a Azê planejou o que ía escrever. Acho fantástico o modo como fez com que todas as nossas "metáforas" fossem incluídas no texto, numa crescente organizada. O meu "e se" é com relação a "elétrodoméstico", acho muito genérica . Você poderia trocar a palavra mesmo. Nomeando esse item superfluo que a personagem queria, escolhendo algo bem banal...

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  5. Gosto muito do detalhe de imagens e sensações que a Azê usa no texto.Com personagem e tema muito atuais, nos deparamos com problemáticas cotidianas: desemprego, agonia, sociedade consumista. E se você trocasse a frase: "Em um único movimento", acho que ela destoa do texto, e me parece como um pulo. Mas isso pode ser só uma imagem que criei a partir da frase. Outro e se: E se você eliminasse esta parte: "eu nem precisava"? Essa mudança daria um ar mais consumista ao texto porque o problema que o aflige passaria a ser "não poder ter" e não o fato de "querer e não precisar". Isso se você quiser dar esse ar ao texto.

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  6. Minha querida Tátila: A idéia é justamente essa... Eu nem preciso! Sei que não preciso... E sofro pq sei que não preciso, mas mesmo assim, quero muito!

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  7. Desculpem-me os leitores do BLOG!
    Eu não... A persona não precisa do objeto de desejo...

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  8. Azê

    Acredito que o mais interessante no seu texto é maneira como você descreve as sensações no seu texto. As imagens revelam-se com uma maneira de dar concretude a estas sensações o que dá ao seu texto um lirismo excepcional.
    Gosto da temática abordada, extremamente contemporânea, mas ainda vejo seu personagem como mulher (será preconceito meu?).
    Neste ponto, assim como a Mariana, acredito que a palavra chave “eletrodoméstico”. Penso que assim como nas sensações que descreveu, este objeto de desejo deva ser mais visual, delimitando ainda mais a essência deste personagem.

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  9. Logo no início o personagem se desculpa e é o que o texto me parece, um pedido de desculpas, um depoimento numa reunião de “consumistas anônimos”.
    Achei interessante como as sensações foram descritas, pude imaginar e senti-las num crescente.
    Gosto da descrição de como o personagem resistiu a sedução, afinal para ele, tamanho esforço é digno de orgulho e o final nos faz entender o principal motivo... desemprego !!

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  10. Ilustramos sempre o câncer como uma doença, e você conseguiu dar a imagem do câncer como situações autodestrutivas.
    Câncer= Compulsão/neuroses
    Azê, sugiro que embarque mais na doença da compulsão, o trecho "Eu? Desempregado!" torna muito simples a dificuldade das situações em que um compulsivo se coloca. Acredito que você pode ampliar isso colocando o indivíduo compulsivo em situações prejudiciais menos obvias do que ficar desempregado e endividado, a compulsão gera situações muito mais complexas do que esta. Endividado e desempregado qualquer um que não tenha um quadro de compulsão pode ficar. Será que esse personagem coloca uma família em risco com sua patologia, por exemplo?

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  11. Esse é o verdadeiro consumista, compra com os olhos o que nem precisa.Ele é humano, nos deixa vê-lo de perto, parece alguém que conhecemos, ele é real.
    Eu gosto da contradição de parecer em algum momento que ele vai ceder e comprar, e depois dá as costas, vence o impulso.
    E só no fim sabermos que está desempregado. Disso eu gosto, não entrega, nem deixa claro que seja isso. É um personagem que vai se revelando.

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  12. Azê.
    Seu texto ao mesmo tempo que vai dando as informações, somente no final que descubrimos o porque dessas contradições.
    Você me fez lembrar de algumas aulas abordadas em sala, como no texto a Era do Vazio, onde só podia haver necessidade, porque o vazio teria que ser preenchido, porém o seu personagem tinha o desejo e não a necessidade.
    Interessante a forma que ela descreve o personagem, a tentação de querer consumir mas não se deixa cair por ela, persistindo até o fim levando o espectador a descobrir a causa, e por fim consegue.
    Muito bom!

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  13. Azê, mais uma vez me sinto dispensavel num comentario. O coro ja se manifestou. Quase todos os seus colegas analisaram o texto e pontuaram questoes de tema, soluçoes de texto, achados, etc.

    Entao, para justificar a minha presença nesse atelie, vou me limitar a alguns "e ses..." ta bom? Sao detalhes.

    O primeiro se refere ao trecho "Para mim só há o início... E durante esse momento, nunca enxergo o fim!"
    Acho bem forte esse começo: Para mim so ha o inicio. Quando leio o restante da linha, me parece redundante, enfraquece a força da colocaçao anterior.
    Nao sei se é o caso de vc eliminar o segundo trecho todo, mas e se vc revisse?

    Outro aspecto é o interlocutor ausente. É um recurso potente, mas que vc utiliza de maneira timida. So o percebo mais claramente nos dois travessoes, ainda assim de um jeito discreto.
    E se vc explorasse mais esse dialogo? Essa colocaçao do sujetio diante de um outro a quem tenta justificar a compulsao?
    Nao eh preciso exagerar, transformar num depoimento. Mas pode-se intensificar essa troca, que tende a aproximar o texto de quem o ouve/assiste.

    É isso, minha flor. Muitos beijos.

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  14. Ah... as constatações do estado de alma do personagem! Tão real e bem descrito.
    Uma tomada de grande consciência, sem não me reles ou não me toques. É o tipo de cotidiano presente no contemporâneo que cutuca nossa imaginação e não o contrário. Mais comum que imaginamos, talvez por isso tão intenso.
    Porém, embora não tenha nada inédito, gostaria de reforçar o último "e se" que Adélia postou.
    intensificar trocas. Vai ser generoso ao texto.
    Grandes abraços, Elaine

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