Tomie Ohtake - Sem título - 1978 - óleo sobre tela - 125 x 135cm
Parece um santo! Caminha leve, sem peso e não ostenta medo. Carrega consigo seu mundo em dois sacos plásticos azuis e num terceiro, recolhe o resto do mundo alheio. A roupa do corpo é a mesma de antes desde que o vi. Eu o sei há tempos! As mesmas manchas, os mesmos buracos; são as mesmas ainda por baixo. As mais debaixo, eu nunca as saberei. O que muda mesmo é o brilho metálico o tecido, que a cada dia faz-se mais intenso.
Não mora! Caminha, caminha... Deita. Não come! Mastiga, mastiga... Engole! Está sempre a ir... Nunca volta. Vai para os quatro cantos e não reclama! Quase não se nota a sua presença. Não pede nada. Tem tudo o que precisa. Não fede e nem cheira, mas tem um gosto em reparar os outros. Seus olhos são doces!
José Antonio de Lima
Lima,
ResponderExcluirVejo neste personagem do seu texto uma figura muito presente no teatro contemporâneo: sem definição fechada, que dá margem a inúmeras leituras: um mendigo, um profeta, um maluco da praça, ou ainda o homem na sua angústia interna de buscar e nem mesmo saber o quê. Como já é de conhecimento a sua formação plástica, acredito que por isso seu texto é visual. Não no sentido de imagens figurativas, mas em formas, cores e volumes, o que não só provoca nossa memória visual, mas também as sensações que resgatam essa memória.
Muito me agrada a sonoridade do texto do Lima. Gosto do teor poético. O título do texto define a aproximação que temos com o personagem que facilmente lembra Gogo e Didi, de "Esperando Godot". Cheio de imagens belas que me colocam a frente da cena, o texto parece um depoimento de alguém que simpatiza com o personagem e a o observa há muito tempo.
ResponderExcluirConforme conversado anteriormente com o autor, em particular, questionei duas das belíssimas imagens:
ResponderExcluir1- “Brilho metálico do tecido”? Chapas, latinhas? Segundo o autor, seria a cor do sebo impregnado na roupa... E se, esclarecesse mais essa cor, como “brilho oleoso, quase azul petróleo, lembrando metal...” (sei lá) Qualquer alteração em relação a isso seria bem vinda, pois não me traria dúvidas e de forma alguma, me afastaria da história...
2- “Não cheira nem fede” não me parece a melhor imagem para esclarecer a neutralidade da personagem... Já que é tão sujo, deve cheirar mal sim...
Somente essas pequenas citações sobre o tão maravilhoso e poético texto criado (em apenas 20 minutos, diga-se de passagem) por nosso querido e sensível amigo... Sinto-me feliz por estar perto de você! Parabéns sinceros!
Lima
ResponderExcluirAs imagens no seu texto são sublimes... Gosto muito da maneira como você descreve o seu personagem: as repetições, a sonoridade, o ritmo cadenciado...
Muito bonita a maneira como você aborda uma realidade tão dura: interessante esta oposição entre linguagem e assunto.
Texto poético, dramaturgia aberta, cheio de imagens e sons.
ResponderExcluirAlguém que observa e descreve aquele que “parece um santo” de maneira doce, como os olhos do descrito.
Só não entendi se o autor usou a frase “não fede nem cheira” justamente para contrapor com a imagem que nos vem a mente, que pra mim é de um andarilho.
Entendo seu personagem como um andarilho.
ResponderExcluirPorém um andarilho majestoso, angelical...acabo até esquecendo da imagem padrão de andarilho em alguns momentos. Mas é um esquecer da imagem agradável, pois em alguns momentos esta imagem é relembrada.
Gosto como parece que a pessoa carrega uma câmera na mão e vai mostrando a pessoa, o ritmo dito poeticamente no "Não mora! Caminha, caminha... Deita. Não come! Mastiga, mastiga... Engole! Está sempre a ir... Nunca volta."
ResponderExcluirA ação é poética, não precisa ter palvras.
Lindo!
Que lindo!
ResponderExcluirSeu texto me fez lembrar de Esperando Godot, onde o enredo se contrói em silêncio, pausas e imagens diversas, nos leva a imaginar o real, a esperaça que ainda ele vai chegar.
Seus olhos são doces!
Este fechamento completa sua escrita e descreve extamente seu personagem angelical, onde passa a serenidade,paz e conforto ao leitor.
Lima, felizmente seus colegas já comentaram as tantas facetas do texto.
ResponderExcluirGosto dessa sensação de sentir dispensável.
Porém... só pra não passar em branco, anoto aqui, mais uma vez, a poesia que permeia todos os seus escritos.
A escolha das palavras, o sentido do ritmo, parece que ja fazem parte de voce.
A proposta era criar uma figura que dialogasse com o contemporaneo. Creio que voce conseguiu isso, ao retratar esse sujeito que é contemporaneo desde que o mundo existe!
Esses mendigos sao perenes, atravessam os tempos e as fronteiras. Tem sabenças do mundo que nnenhum de nos é capaz de imaginar!
E sabio é quem consegue observa-los assim, como voce, poeticamente.
Beijos, querido.
Lima, embora eu não o conheça, nem a todos do grupo, ao ler teus escritos, me trespassa um sentimento de proximidade, essa poésis em ação e em escrita, revela. Um gosto nos dias atuais que possamos compartir através da tecnologia nossas impressões sobre esse ciclo, toparmos com escrevinhadores que tornam palpáveis os mitos que transitam pela terra. Que universalizam!
ResponderExcluir"Andarilho angelical" otima sacada da Aretha.
Enfim gostei, me deu suavidade. Tenho muitas histórias com andarilhos e em todas elas ganhei muito mais do que pude oferecer. Assim como teu texto. Obrigado. Abraços, Elaine