sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Água salgada - texto de Tátila Colin



Iberê Camargo - No vento e na terra II - 1992
óleo sobre tela - 200 x 283 cm


André tinha 14 anos quando ensinei a ele que se quisermos algo temos que correr atrás. E para ele um tênis novo era um bom motivo para juntar latinhas. Depois de 03 meses fomos a um ferro velho trocá-las por dinheiro. Chegamos lá por volta das 17 horas, exaustos por conta do calor que fazia. Fui logo me dirigindo ao dono do local para negociar o valor do quilo. André ficou para trás observando um garotinho que lá trabalhava. Depois de pesarmos o material, recebi o dinheiro e já ia saindo quando um barulho me assustou. Corri e vi André em um canto, com as bochechas incendiadas e os olhos arregalados, enquanto o garotinho recolhia alguns parachoques espalhados pelo chão. O velhote, dono do ferro velho, estapeou o garotinho e vomitou palavrões destinados aquela criança, que continuou recolhendo a bagunça de cabeça baixa, enquanto suas lágrimas se misturavam ao suor de seu rosto. André pediu que fossemos logo embora e eu atendi, saindo de lá com a impressão que as mãos que derrubaram os parachoques eram maiores que as que os recolheram.



(Este relato foi escrito pela Tátila com base na apreciação feita em sala da obra de Iberê Camargo intitulada "Estrutura de objetos", e que pode ser encontrada na postagem "Festa" deste blog)




Segunda versão



 É. Agora eu lembrei! O André tava com 14 anos quando eu ensinei o meu menino que se a gente quer alguma coisa tem que correr atrás E não deu outra, logo ele queria um tênis novo! E isso era um grande motivo pra ele juntar latinhas, aí, depois de 03 meses juntando a gente foi trocar por dinheiro, num ferro velho ali perto da avenida. Era cinco da tarde quando a gente chegou lá. Mas parecia que a gente tinha atravessado o deserto pra chegar no tal lugar, porque fazia um calor de derreter.
Cheguei e fui entrando no escritório pra negociar o valor que o homem ia me pagar... O André ficou lá pra traz, ele não agüentava dar mais um passo. Aí ficou reparando no garotinho que trabalhava por lá.
Pesei aqueles montes de sacos de latinhas, recebi o dinheiro e fui saindo. Mas de repente eu ouvi um estrondo. Saí correndo né?! Cheguei lá e vi o André num canto amuado, com a cara incendiada, a bochecha mais vermelha que esse seu lenço aí, e um olho arregalado que dava pena, enquanto o menininho recolhia um monte de pára-choques espalhados pelo chão.
O velhote, dono do ferro velho, foi pra cima do menino e começou a estapear a cabeça do coitadinho, e além disso xingava ele de tudo quanto é nome feio. O menino continuou com a cabeça baixa, recolhendo tudo enquanto as lágrimas se confundiam com o suor que escorria no rostinho dele.
O André pediu, me olhando no fundo do olho, pra gente ir embora logo, e a gente foi.
Mas sabe que eu saí sentindo uma coisa bem esquisita: tive a impressão que a mão que fez o estrago de derrubar tudo aquilo no chão era um pouco maior que a mão que tava recolhendo...

2 comentários:

  1. Na segunda versão me sinto como se a pessoa tivesse me contando naquele momento mesmo. Mas, no final eu sinto menos impacto que a 1ª versão. E se juntasse o final do primeiro a partir de "O velhote..."?

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  2. A primeira versão está mais completa acredito, as informações estão em seu tempo certo. O primeiro texto me apresenta mais sensações que o segundo

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