domingo, 27 de fevereiro de 2011

Texto de Juliana Flamínio


(Foto: Adélia Nicolete)


(Blackout. Forte barulho de algo que cai no chão. Sirenes. Luzes se acedem devagar)


Foi a senhora que chamou o resgate ?

Sim. Moro aqui na frente, vi quando ele pulou.

O senhor pode me ouvir ? Qual o seu nome ?

As lâmpadas apagadas refletem falsos anjos. São todos feios, sujos e tortos.

O senhor consegue sentir as pernas ? Onde o senhor mora ?

Aqui mesmo. Fica o dia todo perambulando por essa praça.

Ninguém me vê... Tenho medo.

Não precisa ter medo, vamos levá-lo até o Pronto Socorro central... Tem algum familiar que queira avisar ?

Acho que não... ele diz que é sozinho nesse mundo.

Quero ir pra casa ficar com Deus !

(Um clarão intenso toma conta do palco)




Luiz Sacilotto - Concreção 9770 - têmpera vinílica sobre tela - 90 x 90cm - 1992



7 comentários:

  1. Ju...
    Eu acho maravilhosa a forma de como você desenvolve os seus textos. Não sei se intencional, mas, o “humor” está presente sempre na forma de uma surpresa. A cena que você desenvolve aqui; eu fico a imaginá-la no palco... Clima denso, vozes nervosas e carregadas de tensão e preocupação e, de repente: “Quero ir pra casa ficar com Deus! ” e a rubrica indica e completa; “Um clarão intenso toma conta do palco”. É maravilhoso, o impacto que esta cena pode provocar na platéia! Amei, outra vez!

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  2. Ju, adorei a forma com que você inseriu a frase no seu diálogo! Partiu da frase principal para criar essa personagem que não tem identidade nem consciência do momento real.
    E que diálogo interessante! Muito simples e direto, mas repleto de imagens e me causa um desconforto em não saber exatamente o que aconteceu o está acontecendo e quem está presente na cena. Muito legal!
    Suas rubricas claras não entregam ou indicam como deve ser a cena, ou a encenação, o que permite uma montagem com infinitos desfechos ou direções.
    Com seu texto dá para entender claramente como é escrever algo com características pós-modernas sem perder o dialogismo.

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  3. O texto é bem descrito através das rubricas. assim como os personagens são definidos a não ser pelo fato do 3º personagem não se apresentar claramente, mas deixa pistas e/ou lacunas para a interpretação, o que passaria a ser definido através da encenação: um suicida depressivo, um maluco, um ser mágico (mítico). Todas as hipóteses são cabíveis.
    O texto possui alguns elementos claros de teatralidade como luzes ("Blackout", "clarão intenso toma conta do palco") e som ("Sirenes", "forte barulho...". Além disso, a autora já define o espaço de encenação: palco.
    Destaca-se, ainda, na construção desse diálogo o fluxo das falas, o entrelaçamento das respostas em que o texto protege as trocas entre os personagens organizando quantidade suficientes de informações para que o espectador/leitor não sinta-se excluído. As pistas contidas no texto são verbalizadas pelos personagens. No entanto, o 3º personagem não traduz claramente suas ações através do diálogo, é preciso confiar em tudo que permita aparecer e, portanto, nas relações não-verbais.
    Para acrescentar, destaco um item que pode ainda ser explorado nesta dramaturgia:
    - a agonia do 3º personagem: tanto física, agonizando pela dor, quanto psicológica (conflito existencial), ou, ainda essa dor poderia não ser sentida por estar em um estado de letargia? de que maneira ampliar isso?

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  4. Quanta poesia, sentimento e ousadia podem sair de um ser humano... A (essa mesma) autora usa e abusa do ir e vir, por vezes educado demais diante do quem e do que está acontecendo na cena. (Que fique claro: Em nenhum momento não ache que isso seja magnífico). Ao contrário do que disseram alguns colegas, vejo tão claramente as personagens... Todas as três... (Quatro ou mais, talvez). A frase desconstruída tornou-se algo tão integrado como o canto e a música, o ritmo e a batida. O texto-exercício simboliza a beleza de um momento delicado, mas, ao mesmo tempo, duro, sujo, cruel e degradado. As falas intercaladas são expostas de forma harmônica. O corpo e o espírito estão registrados para que todos possamos ver, sentir e cheirar. Não encontrei na autora restrições, mas ao mesmo tempo, preservou a carne, a ordem, os ensinamentos... Não sei se foi técnica ou artística... Não sei se foi cristã ou pagã... Não sei! Só sei que amei! (Outra vez).

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  5. Juliana,

    Seu texto é bem direto e objetivo. As frases curtas, bem como, o ambiente indicado pelas rubricas dão a sua cena certa agilidade, que é quebrada pela inserção das falas da personagem que sofreu o acidente.
    Aliás, tudo o que este personagem fala proporciona certo estranhamento. Não estamos falando aqui de um simples delírio, mas de falas reveladoras que proporcionam um distanciamento da situação, que antes de ser corriqueira, propõe a passagem de um experiência (neste ponto me lembrei um pouco de Walter Benjamin e o seu texto “O narrador”).
    Interessante as indicações da rubrica, bem como a relação entre o ganho de intensidade da cena e a iluminação. Só achei que você poderia ter demorado um pouco mais para chegar à última fala, penso que o texto foi finalizado muito rapidamente, ficou um pouco de gostinho de quero mais.

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  6. Lindo!Lindo!
    Jú.
    Seu texto é bem compreensível e sensacional,a escrita produz uma serenidade que leva o espectador a ter uma sedução ainda maior pela mesma, seus personagens são bem definidos,você trabalhou espaço, tempo onde induz a compreensão ideológica de sua escrita,a ficção acaba se tornando muito mais real, obteve elementos teatrais como: luzes, sirenes etc...
    A frase:
    - Quero ir pra casa ficar com Deus !
    Mostra que o autor buscou a satisfazer o leitor com um fechamento simples mas que lhe provocasse efeito.

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  7. Oi, Ju,
    seus colegas já comentaram vários aspectos do texto. Vou apenas complementar.

    Quis manter no blog a mesma proposta que você sugeriu no texto: mistura de tipos, cores, tamanho e negrito. Num primeiro momento pode parecer supérfluo – principalmente se não for consciente, for apenas uma forma diferente. Creio que no seu caso, não.
    Penso que esse tipo de recurso aproxima a dramaturgia da poesia, principalmente da poesia concreta (curioso que Sacilotto pertenceu ao Concretismo nas artes plásticas!). É como um hipertexto. Porque não só as palavras propõem um sentido, mas também as diferenciações gráficas. Pode-se ler de maneira diferente cada uma das frases, interpretá-las de modo diverso.

    Em minha avaliação, você deu um grande salto de qualidade com esse texto. Nele não importa quem fala, quando fala, se fala ou se pensa, se é rubrica ou fala. Não importa porque a poesia permite isso. A poesia da situação (o trágico sendo tratado poeticamente).
    Nesse texto você deixou o jornalismo (embora o assunto possa dar uma boa manchete!) e partiu pra observação sensível – como foi proposto na aula, afinal.
    E essa observação não foi sem conflito – tanto que isso fica visível na forma escolhida para escrever.

    Parabéns, Ju.
    Beijos

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