domingo, 6 de fevereiro de 2011

Festa - por José Antonio de Lima



Iberê Camargo - fragmento de  Estrutura de objetos - 1968 - óleo sobre tela - 150 x 184 cm


Olhando de longe parecia uma festa. Muita gente na rua, as calçadas tomadas por pessoas de todas as idades. Muita criança. Estavam acocorados em pequenos grupos num acender e apagar dos isqueiros. Não falavam, apenas controlavam cuidadosamente o brilho incandescente da pedra barata. Aos poucos saíam alucinados, apegados na própria solidão, iam se juntar aos outros no meio do passeio. Uns dançavam, outros apenas experimentavam passos, diziam frases, não diziam nada.

De repente um grito. Abriu-se um buraco na multidão e no meio um corpo, uma posta de sangue. Por um instante as pedras se apagaram no meio de um silêncio inusitado. Uma viatura parou ao lado do corpo, os fardados observaram e nem ligaram a sirene. Saíram em marcha lenta e se foram. Sequer um jornal fora colocado para estancar a ferida.



(Esta é a primeira versão do "relato de experiência" escrito por J. A. de Lima a partir da apreciação da tela de Iberê, feita em grupo.
A partir das análises dos colegas, o texto será reescrito e publicado aqui, em sua segunda versão)




Segunda versão:






2 comentários:

  1. Desde o dia em que foi lido este texto eu o achei chocante, impactante!
    É tão rotineiro e passa tanto situações como esta passa sempre em noticiários sensacionalistas.
    Mas como está escrito aqui, chega comover o leitor pela impunidade e o descaso´; não só dos fardados mas também dos que juntos estavam com o morto.
    Considero um texto pronto, não mexeria em nada.

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  2. J.A.Lima,
    curiosa essa minha percepção, olho a obra:"Estrutura de objetos" e a sua "Festa" e passei a divagar um pouco, sobre a Estrutura da morte. Apesar da crueza e intensidade do texto, desse "excesso" de realidade, aqui no otimo sentido, o texto me acalmou. Vi uma outra possibilidade, de que a partida daqui descasada, impune, pode ser a chegada cheia de luzes em algum lugar. Algo como positivo e negativo de uma fotografia.
    O único "e se" é releia, e quem sabe num segundo momento, criar um segundo texto assim forte, assim intenso, comentando a chegada a esse outro momento de festa. Como que clareando os tons da obra plástica. Nesse "Festa" eu não alteraria nada.
    Um abraço da Elaine Bombicini

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