domingo, 20 de fevereiro de 2011

Texto de Ana Claudia Lima



Tomie Ohtake - Sem título - 1992 - acrílica sobre tela - 180 x 160cm


Trabalhei aqui por quinze anos, há três eu faço tudo diferente do que ela fazia. Foi só algumas mudança, coloquei internet e Tv a cabo. (Baixinho) “Ela odiava”. Mas eu vou fazer o que morando aqui sozinha? ... Tenho que me divertir, né?
Sim... foi...quer dizer, é triste não ter ela perto, mas a doença se espalhou rápido... Eu sempre falei pra ela aproveitar a vida. Nunca me escutou. Ah, mas eu aproveito... e como!
Pego os melhores vestido, roupas de cama, preparo tudo com muito gosto, sabe? E chamo meus amigos e a parentada toda e dou aquela festa! É ótimo, o pessoal sai lambendo os dedo.
Sei que ela não gostaria de nada disso... Mas eu fui fiel, suportei a dor ali ao lado dela! Ela percebeu isso e me deixou tudo. Ela não aproveitou porque num quis. Eu aproveito por ela!

Ana Cláudia Lima.

10 comentários:

  1. Ótimo! Dá para imaginar a personagem que aos poucos vai se apossando de tudo; do espaço, das coisas que um dia sonhou que poderiam realmente serem de sua posse. E fica claro que o maior interesse era este mesmo apesar dos quinze anos de convívio! (...)"Mas a doença se espalhou rápido"... O subtexto desta fala é incrível! Como quem quer dizer: 'Ai que bom, que a doença se espalhou rápido'! E completa: "Ela não aproveitou porque não quis. Eu aproveito por ela"!

    Que delícia esta personagem! Amei!
    José Lima

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  2. Ana,

    Que personagem intrigante, hein?! Interessante é que você construiu de maneira que não entrega tudo nas palavras, mas nas "entrelinhas". O que atrai na leitura é o perfil psicológico que vai se construindo ao longo do texto, reforçando a contradição de amor e culpa.

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  3. Assim como a obra da Tomie Ohtake que analisamos, o texto da Ana vai crescendo e tomando conta da imaginação do leitor. Alguém mais além de mim, escuta um samba ao fundo deste depoimento??? Gosto muito do ritmo rápido e da energia desta produção. Me traz a sensação de algo prestes a explodir, mas a personagem segura a euforia pois precisa demonstrar que houve dor na perda da patroa. O aparecimento da rubrica no texto nos aproxima da cena pronta. É só levar ao palco!!!

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  4. Como comentar algo que possui imagens tão reais mas erros gramaticais implicantes? Mesmo entendendo que a personagem é humilde e que o seu “jeitão” de falar é esse mesmo, sinto que a autora (Ana) poderia ter me ajudado (enquanto leitora) a entender essa forma... Precisamos de letras maiúsculas após reticências... Aspas, exclamações, etc. E conforme o comentado em sala, não acredito que essa “ajudante” tenha intenções ruins diante a ausência (morte) da patroa... Ela realmente gostaria que a mesma (outra) tivesse aproveitado mais a vida... Assim como leitora espero, pois acredito no ser humano.
    Seria assim minha leitura enquanto diretora/encenadora/pedagoga.
    Que bom, né? Contém uma super teatralidade...........................

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  5. Ana Cláudia

    Gosto muito das suas frases curtas e a maneira como a seu texto transcorre de maneira ágil e ao mesmo tempo tão dura. Vejo uma ingenuidade terrível na sua personagem (chego até me arrepiar com a dureza de suas palavras ditas como se tudo fosse simples e corriqueiro).

    PARA TODOS OS COLEGAS DA PÓS

    Com relação as suas reticências gostaria de fazer alguns esclarecimentos (que acredito que serão pertinentes a todos nós):
    1. Quando falamos em criação artística existe algo muito importante chamado licença poética, que nos permite subverter completamente alguns usos ditos corretos da gramática normativa, desde que haja uma intenção por traz disso (vide Saramago, Flaubert, Proust, Dalton Trevisan, dentre outros
    2. Transcrevo aqui algumas indicações sobre o uso das reticências presentes livro “Nova gramática do Português Contemporâneo” (Celso Cunha), Editora Contemporânea, 2001:
    As RETICÊNCIAS marcam interrupção da frase e, consequentemente, a suspensão da sua melodia
    1) Empregam-se em casos muito variados. Assim:
    a) para indicar que o narrador ou personagem interrompe uma ideia que começou a exprimir, e passa a considerações acessórias [...]
    b) para marcar suspensões provocadas por hesitação, surpresa, dúvida ou timidez de quem fala
    - Homem, vê... Pensa bem no que vais fazer... – avisou o prior
    - Raquel é boa rapariga... Mas a geração... Olha, eu não digo nada, Resolve tu...
    (M. Torga, NCM, 142)
    - Você... tão sozinha... Não lhe ocorre, muitas vezes, que se um homem... Não tem vontade de casar-se...
    (O. Lins, V, 19)
    - Eu... eu...queria... um agasalho – respondeu soluçando a miserável.
    (Graça Aranha, OC, 164)

    c) para assinalar certas inflexões de natureza emocional (de alegria, de tristeza, de cólera, de sarcasmo,etc.):
    - Há tempos que eu não chorava!... Pois me vieram lágrimas..., devagarinho, como gateando, subiram... tremiam sobre pestanas, luziam um tempinho... e ainda quentes [...]
    (Simões Lopes Neto, CGLS, 128)

    d) para indicar que a ideia que se pretende exprimir não se completa com o término gramatical da frase, e que deve ser suprida com a imaginação do leitor:
    [...]

    2) Empregam-se também para reproduzir, nos diálogos, não a suspensão do tom de voz, mas o corte da frase de um personagem pela interferência da fala do outro:
    - A senhora ia dizer que...
    - Nada... nada... – atalhou a mulher.
    (A, M. Machado, HR, 15)
    [...]
    3) Usam-se RETICÊNCIAS antes de uma palavra ou de uma expressão que se quer realçar:
    E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
    [...]

    Observações
    1.ª) Como os outros sinais melódicos, as RETICÊNCIAS têm certo valor pausal, que é acentuado quando elas se combinam com outro sinal de pontuação.
    [...]
    b) como sinal melódico (ponto de interrogação, ou ponto de exclamação, ou os dois conjugados. Neste caso, as RETICÊNCIAS, prolongam a duração das inflexões interrogativa e exclamativa e lhes acrescentam certos matizes particulares, que indicamos ao estudarmos aqueles sinais.
    2.ª) Não se devem confundir RETICÊNCIAS, que tem valor estilístico apreciável, com os três pontos que se empregam, como sinal tipográfico, para indicar que foram suprimidas palavras no início, no meio ou fim de uma citação.
    Modernamente, para evitar qualquer dúvida, tende a generalizar-se o uso de quatro pontos para marcar tais supressões, ficando os três pontos como sinal exclusivo das reticências.


    PARA FINALIZAR GOSTARIA DE REFORÇAR MAIS UMA VEZ A IMPORTÂNCIA DA INTENÇÃO DO AUTOR NO QUE SE REFERE AO USO DA PONTUAÇÃO.
    A GRAMÁTICA NORMATIVA É IMPORTANTÍSSIMA PARA NOS ORIENTAR, ENTRETANTO ELA NÃO PODE NOS ENGESSAR. PRECISAMOS CONHECÊ-LA NÃO PARA APLICARMOS "LEIS", MAS PARA TERMOS MAIS SUBSÍDIOS PARA A NOSSA ESCRITA.

    Observação: Na "Nova Gramática do Português Contemporâneo" de Celso Cunha não existe nenhuma restrição quanto ao uso de letras minúsculas após as reticências (acredito que não há uma norma específica com relação a isso)

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  6. Já imagino esse texto encenado logo na primeira fala. Penso que os erros gramaticais são intencionais para mostrar um pouco mais dessa mulher.
    Gosto do ritmo que as frases curtas dão à história, agilidade, simplicidade.
    Me parece uma comédia, a empregada humilde, a patroa com as suas manias... já pensou “se” depois de morta a patroa resolvesse assombrar e atormentar a empregada por causa das extravagâncias que ela anda fazendo ?? Já to até rindo.... kkkk

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  7. Admiro muito a glória da personagem ao conquistar tudo que sempre invejou de sua patroa. Me desagrada quando ela está vibrando ao contabilizar seus bens adquiridos e entre eles cita "roupas de cama". Ao meu ver "roupas de cama" é um ítem do lar, e ela não é mais uma serviçal do lar, mas sim a patroa herdeira. Ela poderia conquistar ítens mais íntimos além dos vestidos que citou, poderia conquistar perfumes, jóias, etc...
    A conquista da internet e tv a cabo foram ótimas referências precisas para situarmos no contemporâneo.

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  8. Ana Claudia, lembro que nossa proposta era trabalhar um personagem de nossos dias, a partir da leitura da obra da Tomie.
    Ao ler seu texto, consigo visualizar nitidamente essa figura meio mesquinha, meio dedicada, que trabalhou fielmente por quinze anos e há tres desfruta da recompensa.
    Essa personagem - imagino que seja mulher - fala, mas deixa nas entrelinhas possiveis pensamentos, motivos pra gente desconfiar. Mas voce tem a habilidade de nao tornar isso claro. Ha sempre a duvida: sera que ela desejava a morte da patroa? Sera que fez tudo por interesse? Sera que ela nao tem mesmo o direito a tudo isso? E, alem do mais: sera que nós tambem nao temos esse tipo de pensamento algumas vezes na vida?

    É uma conquista quando se consegue essa dubiedade. Nao ha maniqueismo da parte do autor e a discussao da etica fica totalmente em aberto. Acho que esse é o maior trunfo do seu texto.
    beijos!

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  9. puxa..puxa..puxa!
    Ana Claudia! gosto de textos que primeiro entram e depois eclodem em mim, assim como a imagem da obra. Essa pessoinha (no sentido carinhoso) tem o lado sombra bem trabalhado e distribuído por um texto que pela concisão me prendeu do começo ao fim. Fluído, Visível e integrado a um mundo mais que real, que ultrapassa a dor, a doença, a perda, o alívio, chega na liberdade, que ela REconhece poder ter. Um monólogo em palco, sim, isso me agrada.

    Um grande abraço
    Elaine

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