domingo, 20 de fevereiro de 2011

Texto de Aretha Gasparini


Tomie Ohtake - Sem título - 1983 - óleo sobre tela - 180 x 180 cm



Nua, chorava copiosamente em frente ao espelho, estapeando-se com ódio,dizia para sua imagem projetada:
Fraca!
Olha como você está.
Seus olhos distorciam a realidade, o que era pele e osso com seus 39 kg e 1,62 de altura, para ela era uma obesidade deformada.
Levantou a tampa do vaso, pegou uma escova de dente e com seu cabo começou a cutucar vigorosamente sua garganta até eliminar a saborosa refeição que devorou entre a culpa e o prazer.
Esta foi minha última refeição, porque minha mãe insiste em me entuchar comida?
A comida é um veneno para o corpo.
Uma ânsia incontrolável veio novamente e cuspiu uma gota de sangue que navegava pela superfície azulada da água do vaso sanitário.
Empalideceu e permaneceu estática, observou que além da gordura eliminava pedaços de vida.




10 comentários:

  1. O texto é forte pelas imagens descritas. Ele me parece muito mais uma proposta para uma encenação, onde as circunstâncias são dadas com clareza para quem vier a interpretá-lo. Gosto desta forma de escrita, que fica muito próximo do conto! Gostei!

    José Lima

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  2. Aretha,
    Concordo com o Lima quando ele se refere às imagens. É realmente impactante. O texto vai nos conduzindo a uma série de formas e representações . Agora, “e se” fosse a própria personagem (essa menina/mulher) contando e descrevendo a cena?

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  3. As imagens que a Aretha nos dá nesse texto são muito boas. Gosto da descrição que aponta as características físicas da personagem, que são essenciais para o peso e compreensão do texto.A variação entre fala do narrador e fala da personagem engrandeceram a escrita, pois entendo que a fala do narrados significa o momento de pausa, silêncio, observação e reflexão da personagem.

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  4. E se a personagem não falasse consigo mesma? Se a narrativa permanecesse em 3ª pessoa? Não seria assim uma forma de atingir mais vigorosamente o tormento tão bem imaginado pela autora? A sensação de falar com o espelho me parece que “infantiliza” demais a personagem que passa por tão terrível conflito. “Eliminar pedaços de vida” é cruel... Dá vontade de sumir!

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  5. Aretha

    Concordo com a Tátila quando ela fala sobre a alternância entre fala do narrador e fala do personagem. Acredito que o grande salto do seu texto está nisso. Além das imagens impactantes: o trecho “eliminar pedaços de vida” resume a qualidade imagética do seu texto.

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  6. Achei muito bom!
    Apresenta imagens fortes e ao mesmo tempo real(depressão,trauma e dor), coisas básicas que atingem a nossa sociedade.
    Adorei a frase final -Empalideceu e permaneceu estática, observou que além da gordura eliminava pedaços de vida.
    Esse encerramento deu mais origem ao contexto.

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  7. Adorei as imagens fortes que o texto descreve com tanta clareza, os detalhes da altura e peso da personagem são fundamentais para entender a gravidade da situação.
    Me lembrou um pouco aquelas histórias de “a vida como ela é” que sempre tinham um narrador e, como já observaram, a alternância das falas do narrador e personagem também me parecem pausas para a reflexão da personagem.
    Adorei o desfecho “além da gordura eliminava pedaços de vida” pois pude sentir quão doloroso pode ser viver assim... doente.

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  8. Esse texto eu li em sala e ele é bem cinematográfico. uma cena tão curta q poderia se alongar de acordo com a direção ou proposta que já sinto embutida no 1º parágrafo, como uma rubrica.
    Amaria representá-la.

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  9. Arethinha,linda, conforme o combinado, você soube extrair da tela da Tomie uma personagem (figura, ser...) bem contemporânea: a bulímica.
    A situação que você cria – o pior momento de uma crise – é, de certa forma, “atenuada” por meio da narração. E o recurso de alternar narração e fala, sem o uso do travessão, permite que façamos leituras diversas. Pode ser um narrador reproduzindo um fato, ou pode ser a própria figura narrando a si mesma. O que é fala e o que é narração? Isso, na passagem para a cena, permite também várias possibilidades.
    No seu caso, a ausência de travessões não é uma simples “tendência contemporânea”. Há um sentido e uma intenção por trás dessa solução.

    O meu “e se”, caso você queira retomar a escrita (e eu acho que vale a pena) é rever a pontuação. Assim como falei das intenções do não-travessão, falo agora de uma busca de sentido na pontuação.
    Reveja as frases, uma por uma. Perceba onde uma ideia se fecha e coloque o ponto final. Tenho a impressão de que há muitas vírgulas onde poderiam haver pontos.
    Faça testes. Fragmente, leia em voz alta. Perceba o ritmo e a intensidade/gravidade da informação.
    Onde há pausas? Onde há jorros? Onde?

    Beijos procê.

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  10. "...eliminava pedaços de vida."
    uau! forte, dolorido, arriscado. Concordo com muitos dos "e ses", mas em especial com esse postado pela Adélia. Acho que há muito mais nesse extrato, muito mais intensidade entre jorros. Vale retomar a escrita.
    Tema pesado, difícil, mas utilíssimo. Bien hecho!
    abraços, Elaine

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