sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Texto de Azê Diniz


Iberê Camargo - Solidão - 1994 - 200 x 400cm



Acordei em um salto. Mais uma vez o relógio havia me traído. Logo naquele dia. Logo no primeiro dia da minha nova vida, que no momento, não pareceu ser muito diferente da outra de ontem mesmo. O tempo era apertado. Coloquei o nariz no vidro da janela e ainda hoje não creio como aquela manhã podia estar tão gelada... Os carros estavam cobertos de gelo, nem se via a cor da grama, aliás quase não havia cor naquele dia vermelho. Não havia tempo para banho nem para o café. Calcei meu tênis, o mais velho, pois para trabalhar como voluntário na favela era preciso estar apresentável. Coloquei o casaco mais quente, enchi a mochila com os livros e saí. Enquanto eu corria, tentando não pisar nas poças de água, ficava imaginando se eu seria mesmo um bom contador de histórias para as crianças, que eu esperava, estarem me esperando ansiosas, com grandes sorrisos e fortes abraços. Afinal, é isso que se espera quando se decide fazer um trabalho comunitário. E essa era a grande mudança em minha vida. Mas nada foi realmente como eu havia imaginado. Foi uma desordem todo o dia. Era um entra e sai, gritos, socos... e os abraços eram de um tipo “agarra-agarra” que terminava em choro. Mas eu aguentei firme, afinal...







(Na postagem intitulada "Festa", você encontra a obra de Iberê Camargo que inspirou este texto da Azê.
A proposta era que os participantes criassem um breve relato de experiência, ficcional, com base nas análises da tela feitas pelo grupo)




Segunda versãoa



Ainda hoje não creio como aquela manhã podia estar tão gelada... Não se via a cor da grama... Não se via cor alguma... Pura neblina.
- Calcei meu tênis... O mais velho. Porque para trabalhar como voluntária em uma favela é preciso estar apresentável. Pelo menos, aparentemente “combinável”. E isso era para mim, muito importante... Era o que eu havia decidido... Era o que eu queria: Mudar.
Não havia tempo para um banho e nem para um café... Muito menos para um cigarrinho... Mas foi um belo e estranho dia! Somente e apenas um dia frio como aquele, poderia ter se tornado tão vermelho.
- Eu corria, tentando não pisar nas poças de água, imaginando se eu seria mesmo uma boa contadora de histórias. Esperava e desejava que aquelas crianças estivessem me esperando... Todas elas! Ansiosas! Com grandes sorrisos e fortes abraços. Por isso acordei em um salto!... Atrasada... E logo naquele dia! Logo no primeiro dia, da minha nova vida que, naquele momento, não pareceu ser muito diferente do outro momento da minha mesma vida de ontem mesmo. (Reflete) Nada é como realmente se imagina. Mas acredito que seja isso mesmo que aconteça quando se decide mudar de vida... E foi por acreditar nisso que eu aguentei firme.
- Mesmo com o meu casaco mais quente, com a mochila cheia de livros, (os melhores, heim?!), ao lê-los, foi um entra e sai, com gritos, tapas, socos... Nada do que eu lia importava... O frio era mais intenso... Os tão desejados abraços por mim imaginados eram um tipo de “agarra-agarra” que terminava sempre em choro. Ler histórias não aquietava ou esquentava aquelas crianças... Internamente, ou externamente, o frio era presente demais... Aquelas idéias, aquelas imagens e os desejos futuros por mim escolhidos, não os aqueciam... Foi então que percebi que o que realmente de mim se esperava e se desejava naquele lugar, naquele momento, e entre aqueles todos, era um outro tipo de calor.
- Empilhei todos os livros, procurei meus fósforos e taquei fogo naquelas molduras de palavras que minutos antes poderiam ter se transformado nas esperanças e nas possíveis inspirações vindas através das mais lindas ilustrações... (pausa)
- O resultado? Todos nós, juntos, abraçados, naquele dia tão frio, tão sem cor de tão vermelho...


2 comentários:

  1. A segunda versão está mais elaborada que a primeira, eu gosto mais. Creio que as coisas ditas em sala estão claras agora neste segundo texto.
    Tenho dúvidas a respeito dos travessões antes dos parágrafos, ela está contando a alguém? Por que no primeiro parágrafo não tem?

    ResponderExcluir
  2. Bem, sinto que são dois textos distintos hehe. A primeira versão parece algo americano, digo nas imagens que você passou, parece um seriado a lá lei e ordem ou algo do gênero (não estou dizendo que é ruim). Já a segunda está muito elaborada com indicações de mudança de estado do personagem. Entendo essa transformação do personagem que você coloca de educar e no final das contas por fogo nos livros, pois o que importa é a sobrevivência (o que adianta educar se temos outras necessidades). A imagem do final me incomoda um pouco. "- O resultado? Todos nós, juntos, abraçados, naquele dia tão frio, tão sem cor de tão vermelho..." a cor vermelha é uma imagem oposta do quero imaginar do frio com cores escuras, talvez isso seja muito interessante. Vou refletir sobre esse estranhamento

    ResponderExcluir