sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Texto de Mônica dos Santos




Iberê Camargo - Núcleo - 1963 - óleo sobre tela




Três batidas sonoras na porta: “Ô de casa! Tem alguém aí?”

Minha primeira vez naquele lugar: tábuas sobrepostas pintadas de vermelho sangue, vidros opacos, caixote; simulacro de casa. Barraco velho mesmo! Três andares.
Não sabia muito bem porque fui designado para lá, apenas uma mistura de vozes e ordens ecoava na minha cabeça...

“Ôôô! IBGE! Tá na hora do censo! Preciso fazer algumas perguntinhas.” Cheiro de mofo. “Tem alguém aí?” Escuridão. “Ô de casa!” O suor pingando. Resolvo entrar. “Senhor. Senhora?” Quantas entradas! “Ei, onde está todo mundo? Qual é a saída?”

Portas e mais portas, forço todas, mas nenhuma se abre... escadas e mais escadas, todas para lugar nenhum.
“São só umas perguntinhas”. Minha cabeça parece até um quadro cheio de pinceladas sobrepostas.
Um outro mundo, só minha voz escoa no meio desse vermelho. Percorro cada andar do barraco: Tô sozinho? Tem alguém aí? “Ei, aparece! Tenho medo do escuro”.

Me encolho perto de uma das escadas, não dá para lugar nenhum.

O que vim fazer aqui mesmo?






Segunda versão:



Três batidas sonoras na porta: “Ô de casa! Tem alguém aí?”

Minha primeira vez naquele lugar: tábuas sobrepostas pintadas de vermelho sangue, vidros opacos, caixote; simulacro de casa. Três andares. Último barraco. Fim de jornada. Arremate!
Ôôô! IBGE! Tenho que fazer algumas perguntas. Tem alguém aí?” Precisa ser hoje. “Ô de casa!”. Silêncio. “Tá, me ouvindo?”. Censo, idade, sexo, renda... “Posso entrar?”. Silêncio.

Abro a porta (não há obstáculo). “Ô de casa!”. Escuridão. Entro. “Senhor? Senhora?”. Calor. “Ei!” Umidade. “Onde tá todo mundo?”. Esgoto. “Alguém?”. O ar foge dos meus pulmões. “São apenas algumas perguntas!”.

Portas e mais portas... Escadas e mais escadas... Meu Deus! Pra lugar nenhum! São só umas perguntinhas. Minha cabeça... Escuro. Cadê a saída?! Preciso de ar... Ei, responde logo! Só minha voz... Tô sozinho? “Ei aparece... Tenho medo do escuro...”. Nenhuma resposta.


Encolhido.
Sozinho...


O que vim fazer aqui mesmo?”




(Mônica escreveu este relato a partir da apreciação da tela Estrutura de objetos,de Iberê Camargo, que pode ser encontrada na postagem Festa deste blog.)

3 comentários:

  1. Gosto da sensação de labirinto, quanto mais entra menos se encontra, ou nada encontra.
    Imagético, eu leitora entro em cada lugar junto com o personagem.

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  2. Eu ja lhe disse, gosto muito desse seu texto, essa mistura com o real com a mente do personagem que se perde em sim mesmo, fica uma coisa esquizofrênica que me agrada muito. "Três Batidas sonoras na porta" isso enriquece mais da um peso maior e uma sensação com essas batidas. essa frase me ajuda a criar até o tipo de ambiente e o material da porta só pelo fato de dizer Batidas sonoras (parece um pleonasmo, mas acredito que da uma outra ênfase a essa historia)

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  3. Monica!
    gostei muito, mas em algum ponto mais para o fim, ele amenizou, gostaria de ter um tom de um pouco mais de desespero, algo como uma fieira enorme de pensamentos, até chegar ao desfecho, a frase final, apenas para intensificá-la. "E se" sugerido. Abraços, Elaine

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