domingo, 27 de fevereiro de 2011

Texto de Mônica dos Santos


(Foto: Adélia Nicolete)



- Esse barulho de buzina é ensurdecedor... Irritante!
 

- Pior é o tinido do disco de freio... (pausa) Fecho meus olhos e imagino o pé no freio do ônibus. (pausa) Ele já é meu companheiro. Faz parte dos meus sonhos...

VOZ DE MEGAFONE: E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
Que extraordinária sensação de alívio!1
(Pausa)
- Ontem eu vi! Você percebeu também? (pausa) O homem ruivo, a morena...
- Perto daquele saco de lixo grande?
- (olhos fechados) Ele deu um beijo nela, daqueles!!! Parecia até novela...
- E ela?! (indiferente) Olhou para o vestido da vitrine (pausa).
- Estava apaixonada!

VOZ DE MEGAFONE: E os dois trocaram um beijo
- frio
como um beijo de esqueletos... 2
(Pausa)
- Tá ouvindo o barulho? (Pausa) Lá vem ele de novo. (Fecha os olhos e ouve)
- Barulho de quê? (Pausa) Do beijo?
- Brecada, lembra? O pé no freio.
- (Fecha os olhos) O ruivo beijou a morena.
- Definitivamente... você sonha demais!



1 QUINTANA Mário, Das ilusões. In: Mario Quintana de bolso. Porto Alegre: L&M Pocket. 2009.

2 QUINTANA Mário.Hai-kai da última despedidaI. In: O livro dos Haicais. São Paullo: Globo, 2009.













11 comentários:

  1. Mônica
    Fantástico, o seu texto! Está muito próximo ao que estamos vendo neste momento tanto com o Evill, quanto com que viemos trabalhando com a Adélia até então. As citações que coloca no texto são como se elas pertencessem a sua idéia, e elas estão apropriadas a esta história, que a meu ver esbarra numa proposta surrealista. O uso do megafone como algo externo que vem para a cena como forma de um “distanciamento” ao contrário, ou seja, de fora para dentro, me fez lembrar o texto “As Mamas de Tirésias” de Apollinaire, e talvez venha a reforçar a minha relação com o Surrealismo. Fiquei fã da sua escrita! Adorei!

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  2. Mônica... Parece que não há nada mais a dizer sobre seus textos além de: adorei!!!! Mas vou apontar o que gosto nesse texto que atendeu a todos os tópicos da proposta:
    • A sonoridade que você nos dá através das palavras escolhidas e do ritmo das frases torna o texto muito agradável e eu não canso de lê-lo.
    • As citações de outros autores através do megafone, que achei fantástico ( e já imagino isto sendo encenado) enriquecem ainda mais sua escrita que já se destaca através estrutura que você usa.
    • Repleto de imagens deliciosas, seu texto está pronto pra ser montado, mas com uma infinidade de propostas (são dois homens velhinhos? Um casal de velhinhos no quintal da casa? Dois mendigos?... enfim, ele está totalmente aberto para pirações (no bom sentido).
    • Nostálgicos o pensamento e fala dessas personagens transmitem a serenidade que senti quando sentei dentro da obra do Sacilotto. Parece que sinto aquele mesmo vento de quando atravessávamos a rua enquanto leio.
    • A presença de três vozes cria uma atmosfera cênica gostosa de se imaginar dentro.
    • A frase “Definitivamente...você sonha demais!” aponta exatamente o quanto a sensação de não podermos parar pra sonhar pois não podemos perder tempo nos sufoca, ensurdece e aflige, assim como as buzinas e os freios dos ônibus.
    Parabéns Mônica.

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  3. Percebe-se fortemente neste texto que a fala constrói toda a teatralidade. Pode-se dizer que encontramos nesta dramaturgia um teatro da conversação, como discutido no texto de Ryngaert: “teatro em que as trocas e as circulações de palavras prevalecem sobre a força e o interesse da situação.p.137”.
    As informações circulam através de palavras sem relação direta com a situação. Não há a emergência de nomear ou de fazer desenvolver ou progredir a situação. As falas apenas expõem as trocas entre os personagens, estes que podem ser interpretados apenas como sujeitos falantes sem definição fechada em que a identidade é misteriosa e a situação é inabitual. Assim, o texto deixa espaço para imaginação e para criação na encenação.
    Há a repetição das pausas 8 vezes durante o texto. A partir do entendimento da pausa como indicação de mudança na dramaturgia, percebemos um ritmo intenso à cena com constantes mudanças.

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  4. Compreendo (na verdade pouco compreendo) que este texto englobe uma totalidade de desejos humanos... É psicológico, publicitário, complexo em sua construção... O desenvolvimento, que acredito ser moderno, me oferece imagens completas de informações e ao mesmo tempo dispersas em suas várias possibilidades. Em ocasiões me deixa ativa e participante, mas em outros, perplexa e de pensamento pouco elevado.
    A autora me afoga em dúvidas. Balanço entre prós e contras, e que talvez, por tratar-se da criação de um texto-diálogo contemporâneo, eu, enquanto leitora, esteja vivendo um dos grandes males do nosso tempo, onde as palavras e as atitudes do ser humano insultam nossas lembranças, falsificam e deformam toda uma paisagem, exaltam a crítica negativa por nos fazer sentir desinformados diante do diferente, e corrompe toda a minha noção de qualidade.
    Como percebem, não sei o que dizer... Em nenhum momento posso dizer que seja isso ou aquilo... Mas com certeza, fui puxada até o fundo da minha ignorância. Obrigada por me fazer pensar em mim.

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  5. Gosto do ritmo do diálogo, tem dinamismo, sentimentos, pausas... chego até ouvir suspiros !! Assim como as personagens, fecho os olhos e vejo as pessoas suspirando, olhando pro céu enquanto ouvem os sons da vida e sentem a brisa na pele.
    Meus devaneios só são quebrados quando entra a voz do megafone.
    Riqueza de imagens, ótima colocação das rubricas, enfim, não tem o que falar desse texto... aí vem a Tátila e espreme o restinho que dava... sem mais palavras !!!!
    Se esse era nosso último exercício, fechou com chave de ouro.
    Parabéns Mônica, Parabéns galera, Parabéns Adélia...

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  6. Ah, que lindo!!!
    Mô, sou sua maior fã, você, sabe, né? Sem puxar saco. É verdade!
    Gosto muito de como você escreve, tão suave, poético.Esse texto é um fragmento recheado de emoções, e imagens, sonoridade, tenho um gosto particular pelas pausas, posso ouví-los conversando.
    É lindo!

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  7. Mônica adoro suas escritas!

    Você trabalha com clareza e coêrencia, represetanção do tempo e espaço são bem claros,a suavidade que você aplica na própria escrita abre as postas para as supresas que o texto vai nos revelando.
    Há um conjunto de sentimentos e imagens que desperta ainda mais está ficção.
    Ao ler este trecho:
    - Tá ouvindo o barulho? (Pausa) Lá vem ele de novo. (Fecha os olhos e ouve)
    Leva o espectador ao delírio, onde você provoca um certo suspense que aos poucos vai se desvendando até chegar ao ponto crucial.

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  8. - Lima,
    Como já te disse acho que acabei mesmo sendo influenciada pelo "As mamas de Tirésias" (apesar de não ter sido proposital). Legal você ter lembrado disso!

    - Suellen,
    Adora pausas, elas são o meu respiro, minha intenção.

    -Tátila,
    Como já te disse: adorei a sua proposição de leitura para o texto que escrevi.

    - Jú
    Que bom você ter captado os suspiros, foi intencional (Viva!)

    - Azê
    Proponho uma algo pra você (repito isso para mim todo o instante): Não racionalize tanto, sinta. Talvez o meu texto não seja mesmo pra ser compreendido de uma única maneira correta. Não há certo ou errado, há possibilidades. Espero que tenha conseguido passar isso..

    - Ana

    Amiga das letras e de muito tempo...
    Você percebeu uma sonoridade que não havia me dado conta... Bom ter esta devolutiva!

    - Rafaela

    Interessante você me falar de suspense. Não havia percebido esta tensão... Observarei o meu texto agora com outro olhar...


    Obrigado a todos pelos comentários, sei que todas estas análises serão imprescindíveis nos próximos trabalhos...

    Obrigada Adélia,

    Você sempre foi a minha grande incentivadora (você e o Abreu). Muito do que conquistei, devo a você, as suas orientações, proposições, questionamentos, puxões de orelha... (sempre como uma gentileza incrível). Acredito que foi decisivo ter te reencontrado neste momento. Agora tenho mais certeza do que quero.

    Muito obrigada!

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  9. Monica, minha flor. Em breve faço também um comentário sobre seu texto. Por enquanto fica o meu brinde à feliz conjunção dos astros que nos colocou de novo num mesmo projeto, e com gente tão legal junto. Sorte? Pode ser. Mas que a gente tá batalhando pras coisas acontecerem, ah, isso a gente está! Inda mais quando se tem mais certeza do que se quer!
    Beijão, querida.

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  10. Mônica,
    nos conhecemos há tanto tempo que vou me permitir uma digressão (já que você propõe uma viagem de ônibus no seu texto...).
    Vou lá pro final dos anos 1990, no seu primeiro dia de aula de Dramaturgia. Sei que você lembra. Chegou um pouco depois do horário, o exercício já tinha começado. Você observou seus colegas fazendo o exercício dos cegos e, se eles deveriam escrever sobre a vivência concreta, você deveria criar um texto sobre a sua observação do exercício.

    Volto a 2011. A agora sou eu a observadora do seu exercício de observar a cidade e o Sacilotto e criar mais um texto. E você cria justamente um sujeito que fecha os olhos para descrever o que vai por dentro. Um “cego” que enxerga mais e melhor que os outros, “normais.”
    Achei um lindo fechamento de ciclo – aqueles cegos e esse - principalmente quando sei que descobriu o tipo de escrita que quer pra você.

    Bem, em relação a esse diálogo especificamente, é de se salientar a polifonia. Não são apenas duas, mas várias vozes e sons presentes na cena – inclusive uma voz tomada de outro, a voz do Quintana. Ela vem através do megafone – aparelho que serve pra amplificar o som.
    Um verso do Quintana – tão delicado que é (o verso e o Quintana) – gritado assim, quer dizer alguma coisa! Gritar um modernista é redundar. Gritar a “Ode ao burguês”, do Mário de Andrade, é obedecer a intenção do autor. Agora, proclamar o Quintana pelo megafone é fazer explodir a delicadeza. É tentar, de algum modo, fazê-la tomar um lugar no cotidiano.
    Puxa, é como plantar um Sacilotto, uma Tomie no calçadão! “Me vejam, eu estou aqui! Ponham um pouco de poesia na sua vida!”
    não sei se foi essa a sua intenção, mas me permiti ler o seu Quintana gritado, como um enorme Sacilotto invisível no calçadão.

    Daí, além da polifonia, a intertextualidade: dramaturgia e literatura. Realidade e poesia.

    Pra concluir, impossível não me referir à carta pós-moderna que você escreveu ano passado, no Ciclo (e que está neste blog). Lá você investiu também na questão gráfica – impossibilitada aqui, pelas limitações do blog. Creio que a carta dialoga com o texto de hoje, bem como com o anterior, do Ateliê. Talvez o primeiro texto (do censo) caminhe para uma linha mais narrativa, que também é forte.

    Enfim, Mônica. Grande prazer caminhar contigo todo esse tempo. Prazer e aprendizado.
    Abraço grande

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  11. Obrigada por todas as contribuições. Muito bom trabalhar com você novamente. Caminhando e aprendendo sempre. Espero, ao longo do caminho, ter vários destes reencontros.

    Beijos

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